Insolvências: à espera do próximo boom
Urge repensar os valores cobrados pela Administração Tributária e casuisticamente constatar que a sua execução impedirá de forma perene e vitalícia que alguns cidadãos recuperem as suas finanças e a sua vida.
Foi notícia na última semana a estatística do Ministério da Justiça que assinala a diminuição dos processos de insolvência. Num país que assistiu com surpresa à insolvência de bancos e à destruição de famílias e negócios, a notícia é recebida com indiferença.
Certo é que muitas das insolvências dos anos da crise não se deveram a qualquer crise, mas apenas ao culminar de processos de abandono de empresas, má gestão ou total inabilidade financeira e a maior proactividade dos credores a requerer as mesmas.
A tudo isto não é alheia a Justiça e seus emblemáticos atrasos, pois se as acções e as execuções tivessem a expectável e desejada celeridade, muitas destas questões seriam evitáveis, pois ocorreriam muito mais cedo, impactando com menos parceiros comerciais, com menos trabalhadores e por aí fora.
Sendo o indício da insolvência a incapacidade/impossibilidade de honrar os seus compromissos, nos prazos contratualmente assumidos, temos por certo que se a Justiça acontecesse em tempo, muitas destas entidades veriam o seu decesso antecipado em anos.
E isto não tem de ser assumido como questão de lesa pátria, porquanto nem todos os negócios são viáveis, muitas são as alterações de circunstâncias que conduzem a um volte-face e à inversão do bom caminho. Assistimos, porém, a um curioso retomar económico: o imobiliário ensandeceu, o aforro não traz benefício algum, e invariavelmente os espaços comerciais estão à pinha.
Lidos os títulos das notícias deparamo-nos com alegadas investigações respeitantes a créditos bancários concedidos, sem garantias, no valor de milhões. Todavia, quando transpomos estas realidades para o cidadão, as famílias e as pequenas empresas, a realidade é profundamente díspar.
O cidadão comum, para adquirir habitação própria, com recurso ao crédito, é obrigado a dar o bem como garantia hipotecária, a arranjar fiadores e a fazer um seguro de vida que garanta o pagamento integral do crédito. O cidadão comum que, por vicissitudes várias da vida, escorregue no cumprimento das suas obrigações tributárias, sejam elas fiscais, da Segurança Social ou até do pagamento de portagens, vê os valores em dívida rapidamente duplicados e triplicados com juros, custas, coimas e encargos.
Ora, como pode o Estado prever e regular a insolvência das pessoas singulares com o – justo – instituto da exoneração do passivo restante, o fresh start, se expressamente exclui estas dívidas desse “perdão”, é questão cuja resposta antecipamos. Urge repensar os valores cobrados pela Administração Tributária e casuisticamente constatar que a sua execução impedirá de forma perene e vitalícia que aquele cidadão recupere as suas finanças e a sua vida.
Há, também, que ponderar da profunda desigualdade de tratamento das instituições perante quem tem muito, e a quem nada se exige para garante, e aqueles que tendo pouco ou nada são onerados com tudo, até com a insolvência dos bancos!
Bem como a generalizada inoperância da Segurança Social. Não dá resposta em tempo útil aos pedidos de apoio judiciário, não resolve pequenas reclamações, leva anos a instaurar processos, não dá resposta a oposições, enfim, nada de diferente ao que assistimos nos últimos anos.
Como esperar que a Segurança Social funcione se leva mais de cinco anos a devolver um duplicado com carimbo de entrada?! Lamentavelmente, a bonomia e displicência com que actua e não dá resposta em tempo útil não reverte a favor do cidadão.
Aguardemos o próximo boom das insolvências das famílias, provavelmente concomitante com o próximo estourar da bolha imobiliária.