A julgar pelos cabeçalhos, a aviação estava a caminho de algumas mudanças muito importantes no ano passado.
“Viajar de pé em aviões está um passo mais perto da realidade”, escreveu o Daily Mail em Abril.
“As companhias aéreas estão finalmente a solucionar o assento do meio”, proclamou a Fast Company em Julho.
E, numa declaração que certamente deslumbrou os viajantes com pouco orçamento, a CNN escreveu em Dezembro: “Novo design de assentos vai facilitar dormir em económica”.
A História está cheia de propostas inovadoras assim: soluções que vão eliminar batalhas pelo braço do assento, permitir flexibilidade nas dimensões do mesmo e, frequentemente, tornar o assento do meio menos terrível. Mas, frequentemente, os conceitos – para melhor ou para pior – estagnam antes de passarem sequer do protótipo.
Seth Miller, um analista de companhias aéreas que escreve sobre a experiência do passageiro para a PaxEx.Aero, disse que passa por “pequenos surtos de optimismo seguidos de anos de desilusão e desespero” no que toca a inovação de design de assentos. Pelo menos duas vezes ao ano, diz, empresas de design e fabricantes expõem ideias criativas em mostras comerciais que captam a atenção das companhias, da indústria em geral e dos jornalistas. E depois, geralmente, pouco muda.
“As opções criativas que por aí andam não têm, definitivamente , a oportunidade, que muitas provavelmente merecem, de efectivamente chegarem aos aviões”, diz Miller.
A razão, dizem os especialistas, é as companhias aéreas estarem frequentemente relutantes em relação a tentarem algo novo se houver a mínima possibilidade de não funcionar para o que pretendem.
“É uma indústria complexa que às vezes é mais complicada do que precisa, porque as pessoas estão muito fixadas no habitual e têm muito pouca tolerância ao risco”, diz Marisa Garcia, jornalista da indústria da aviação e analista que já trabalhou no sector do fabrico de assentos de aeronaves. “Se acham que algo pode dar errado, preferem não avançar – mesmo que seja inovador e prático – só por causa da possibilidade de enfrentarem um grande fiasco.”
O exemplo preferido de Garcia de uma ideia sólida que ficou em águas de bacalhau é o Cozy Suite, um conceito da Thompson Aero Seating. Em 2015, ela descreveu o design como “uma ideia brilhante que repensa os assentos de económica sem sacrificar a experiência de nenhum passageiro – incluindo a pessoa presa no assento do meio”.
O Cozy Suite tinha como característica bancos espaçados em fila que deixariam as companhias aéreas terem mais passageiros em económica – e torná-los mais confortáveis. Mas, conforme apontou na altura, o conceito já existia há sete anos sem ganhar força. Escreveu que o design era provavelmente demasiado distinto para ser abraçado pelas companhias e passageiros; hoje, chama-lhe um “conceito esquecido”. Não foi possível contactar a Thompson Aero Seating, que foi comprada pela Aviation Industry Corporation of China (AVIC) em 2016.
Outra ideia que nunca levantou voo: o Morph, um conceito que a Wired descreveu em 2013 como “Um design genial para assentos de avião tão confortável como uma cadeira de escritório”. Características de destaque, de acordo com a revista, incluíam braços que podiam ser ajustados para tornar os assentos maiores ou menores – por exemplo, para sentar mais adequadamente uma criança no meio e acomodar os seus pais nos bancos da janela e do corredor, ou para alargar os bancos das extremidades se ninguém se sentasse ao meio. Os passageiros poderiam também controlar a rijeza do seu próprio assento. Um porta-voz da firma de design, a Seymourpowell, disse num email que o Morph foi só um conceito designado para “explorar o potencial de inovação dentro do espaço de viagens em económica”.
“Como era conceptual, o projecto não avançou desde então”, reforçou.
Aclamado pela Wired em 2014 como “Um brilhante braço de assento com dois andares que diminuiria o inferno de voar”, o Paperclip Armrest apresentava um design curvado com dois níveis para que as pessoas sentadas juntas pudessem ambas ter algum espaço para os cotovelos. Um representante da empresa, a Paperclip Design Limited, disse num email que o braço do banco não “progrediu muito, já que temos outras prioridades”.
O Skyrider, um assento quase em-pé que foi criado em 2009, continua a rodar pelas feiras da indústria da aviação – a versão 3.0 recebeu alguma atenção no ano passado. Mas Gaetano Perugini, consultor de engenharia da fabricante de assentos para companhias aéreas, disse num email na quinta-feira, dia 9, que ainda não houve encomendas do modelo.
“Este projecto continua a suscitar o interesse de certas empresas, não só de companhias aéreas”, disse.
Até mesmo designs que avançam para lá da fase conceptual e angariam algum interesse podem enfrentar uma longa jornada até descolarem.
A Molon Labe Seating começou um longo processo em 2012 com um design a que chama o S3 Side-Slip Seat, no qual o assento do meio era mais largo que os do corredor e da janela, e estava posicionado ligeiramente recuado face aos outros dois, numa fila em ziguezague. O assento do corredor podia ser deslizado para cima do do meio nos momentos em que os passageiros entravam ou saíam do avião, tornando assim o corredor mais largo. Há dois anos, disse o fundador e CEO Hank Scott, a empresa “decidiu ‘des-inovar’ para outra versão, o S1 Space Seat, que não deslizava o assento do corredor.
“Ambos os assentos têm as mesmas vantagens, como a disposição em alternância e um banco do meio mais largo, mas apercebemo-nos que, como novos operadores no campo da aeronáutica, um banco deslizante podia ser demasiado arriscado para as companhias, nesta indústria aversa ao risco”, disse num email. “Alternado e deslizante – demasiada inovação!”
O S1 tem certificação da Administração Federal de Aviação dos EUA desde Junho, disse, e acha que a companhia possivelmente passaria a persuadir as companhias a comprar o S3, por fim, assim que a versão mais simples já estivesse nos ares.
Agora, disse Scott, a Molon Labe fornece assentos a companhias aéreas do mundo inteiro, para serem avaliados. Disse que uma companhia (qual, não pode dizer) fez uma “encomenda considerável”, mas que, depois, adiou a concretização do contracto.
“Esperamos estar a vender-lhes assentos daqui a dois anos, quando os que eles têm actualmente estejam prontos para serem substituídos”, disse.
Esse tipo de trajecto é comum, diz Garcia, a jornalista e analista.
“Pode levar facilmente 20 anos até um novo conceito vingar”, diz. Mas para tal, tem de ser tecnicamente viável, de manutenção simples, fácil para a tripulação servir durante voos e, idealmente, deve gerar algum lucro. As companhias aéreas também querem que os novos assentos pesem menos e, frequentemente, querem encaixar uma quantidade maior no avião.
“Se esses elementos não estiverem em prática, é uma venda complicada”, diz Garcia.
Outro requerimento: os passageiros precisam de estar dispostos a pagar se as companhias aéreas forem investir significativamente em novos assentos.
“Viajantes com baixo orçamento, não querem pagar muito dinheiro; querem pagar o menos possível”, diz Nawal Taneja, estratega do ramo das companhias aéreas e executivo no Fisher College of Business na Ohio State University. “Portanto, é um pouco difícil para a companhia, por um lado, providenciar assentos de maior qualidade, e, por outro, poder cobrar muito pouco”.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post