TINA à moda de António Costa

A relação que o primeiro-ministro manteve e quer continuar a manter com os partidos à esquerda é do tipo “abraço de urso”. Nem sequer é qualquer coisa do tipo “flirt” inconsequente. Mais se parece com violência no namoro.

Quando António Costa diz não ver “nenhuma razão para que quem aprovou os anteriores Orçamentos não aprove este”, pretende criar a ilusão de que tudo é apenas continuidade. Tenta demonstrar que, a haver mudança, serão os parceiros da anterior maioria parlamentar a arcar com os custos da instabilidade ou de acordos à direita. A relação que o primeiro-ministro manteve e quer continuar a manter com os partidos à esquerda é do tipo “abraço de urso”. Nem sequer é qualquer coisa do tipo “flirt” inconsequente. Mais se parece com violência no namoro.

Para se perceber a mudança do início da anterior legislatura para a presente, bastaria ler as primeiras páginas do Programa de Governo em 2015 e compará-las com o atual. No primeiro, é colocado como prioritário “virar a página da austeridade e relançar a economia e o emprego”, como caminho para superar a crise orçamental. No programa atual, tudo começa nas “contas certas” que assegurem saldo primário acima dos 3% do PIB e a diminuição da dívida pública. O superavit previsto no OE 2020 reflete esta opção, bem diferente da anterior. Como referiu Mariana Mortágua, “o excedente orçamental é a resposta errada ao país” e, “com essa obsessão, o PS apresenta um Orçamento que é um recuo face ao caminho percorrido nos últimos quatro anos”.

António Costa não esconde que ficou mais “solto”, após as eleições legislativas. A consequência aí está, na proposta de Orçamento e no discurso do género TINA (there is no alternative), para ficar na história. Simplesmente, um Orçamento do Estado não serve para marco histórico. Deve, sim, responder às necessidades sociais e económicas de justiça e desenvolvimento.

A nossa democracia precisa mesmo que se afirme uma alternativa, assente na construção de uma maioria social transformadora do atual quadro político – alternativa, portanto, à maioria PS ou de outros partidos submetidos à lógica financeira que dita o rumo atual da União Europeia.

É à luz deste objetivo que o Manifesto da Convergência, dentro do Bloco de Esquerda, faz o balanço da anterior legislatura. “A segunda parte da legislatura impunha que o Bloco de Esquerda tivesse exigido um novo patamar de negociação com o PS, na continuidade do acordo de incidência parlamentar existente, cumprido que estava no seu essencial.” Tratava-se de atualizar e concretizar “o que era genérico no mitigado acordo inicial, definisse novas metas ao governo e desse suporte aos movimentos em torno desses objetivos”.

Esta posição não é nova. Em novembro de 2016, Marisa Matias, por exemplo, defendia ser preciso “repensar” o acordo das esquerdas. Na mesma altura, outros dirigentes bloquistas defenderam a necessidade de confrontar o PS e o seu Governo com um “novo caderno de encargos”. Não se tratava de provocar uma rutura com o anterior acordo e a queda do governo. Tratava-se, sim, da abertura de uma nova página e da afirmação de uma alternativa, capaz de debater e construir acordos, mas sem prescindir da sua autonomia e do seu programa de mudança.

O surgimento, no Bloco de Esquerda, de uma Convergência de militantes de sensibilidades e percursos diversos, com propostas e ideias próprias como contributo para a pluralidade do Bloco, é um sinal de vitalidade partidária. O debate intenso, construindo a linha política no quadro da rica diversidade interna, foi um traço matricial do partido.

As diferentes opiniões, bem como as práticas que as consubstanciam, devem ser debatidas dentro do partido e, naturalmente, as decisões apenas cabem aos militantes. Mas o país e, em particular, os trabalhadores, têm o direito de saber o que se passa dentro do Bloco de Esquerda, terceira força partidária e com aspirações a ser governo. A ideia de que a assunção das diferenças internas se deve confinar às paredes das sedes decorre de uma visão ultrapassada, de pequena e irrelevante seita, com limitadas ambições.

Como afirma o Manifesto da Convergência, o debate em torno do OE 2020 é “o primeiro passo na luta por uma alternativa a um programa neoliberal e a possibilidade de se enfrentar uma nova crise”. Cedências ao PS, em troca de umas migalhas apresentadas como grandes vitórias, voltarão a enfraquecer a esquerda e aprofundarão ainda mais as dificuldades dos movimentos sociais.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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