Mais tempo para o doente – um bom desejo de Ano Novo!
É um bom desejo de ano novo, que isto mude. Será bom para a nossa saúde, e para as nossas finanças, que se analisem os resultados, onde se inclui a satisfação dos doentes.
Há algumas frases lapidares, que não esquecemos e nos guiam na nossa vida profissional. Como médico, nunca esqueci aquela de William Osler: “Se ouvirmos o doente, ele diz-nos o diagnóstico.” É uma máxima curiosa. Sugere que o doente joga com o médico uma espécie de charada, em que a solução é o seu próprio diagnóstico, só encontrado com a audição atenta da sua mensagem encriptada.
Só ouve bem, e tem acesso a toda a informação, com capacidade para a descodificar, quem dá tempo ao outro, e lhe dá a importância de um igual. O tempo é fundamental para uma relação médico-doente empática, que é uma condição determinante do exercício da medicina com humanidade.
O tempo que concedemos aos nossos doentes está ameaçado. A tecnologia dá-nos acesso ao conhecimento quase instantâneo, mas perturba-nos o olhar e o contacto físico. Às vezes, quase sem nos apercebermos, mostramos como estamos apressados. De soslaio, espreitamos o relógio e fazemos constantes interrupções no discurso do paciente, que deveria ser fluido, para ser completo. Esquecemos a parte não-verbal da comunicação, e estragamos tudo!
Querem tornar a relação médico-doente património imaterial da humanidade. Acho que faz sentido fazê-lo, nestes tempos conturbados. Será uma forma de a preservar e de recordar o seu valor.
As máquinas terão tendência a substituir com vantagem muito trabalho médico. Os relatórios dos exames de imagem ou de anatomia patológica poderão ser feitos por computador, com maior precisão. A cirurgia robótica irá crescer cada vez mais, no local ou até à distância.
Há alguns aspetos do trabalho médico, que a tecnologia não substituirá: o raciocínio clínico, a empatia e a humanidade. Para tudo isto, o tempo que damos ao nosso doente para nos contar a sua história não pode ser espartilhado, com índices cegos de produção. Os gestores da saúde têm de valorizar o exercício de uma medicina de alto valor e encontrar formas de medir e auditar a qualidade assistencial.
O financiamento apenas baseado nos números, sejam eles de consultas, internamentos ou cirurgias, já é obsoleto.
É um bom desejo de ano novo, que isto mude. Será bom para a nossa saúde, e para as nossas finanças, que se analisem os resultados, onde se inclui a satisfação dos doentes.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico