A Educação numa encruzilhada?
Os resultados do PISA mostram-nos um copo meio vazio ou meio cheio, conforme as perspetivas. Mas o que realmente importa é saber se o vamos continuar a encher ou se o começamos a esvaziar.
“Pode dizer-me, por favor, o caminho que devo tomar?”
“Depende de para onde quer ir,” disse o Gato.
“Isso não me importa,” disse Alice.
“Então não interessa o caminho,” disse o Gato.
Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas
Quem no princípio do nosso século participava nos debates sobre educação, ou quem começava a segui-los, lembra-se de reações contraditórias por parte dos atores da altura. Foi entre 1996 e 1998 que foram divulgados e debatidos os resultados do primeiro estudo TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), realizado em 1995; e foi em 2001 que surgiram os resultados do primeiro PISA (Program for International Student Assessment), de 2000.
Os que preconizavam um ensino mais rigoroso salientavam, com toda a razão, a lástima que era, nas avaliações TIMSS, estarmos no fim da tabela, com apenas dois países pior colocados do que nós a Matemática, e, no PISA, apenas com quatro países pior colocados do que nós a Matemática, cinco a Literacia e três a Ciências.
Muitos dos que estavam envolvidos politica ou administrativamente na direção do sistema educativo, nomeadamente vários responsáveis políticos, muitos professores de departamentos de educação, consultores e conselheiros nacionais de educação tinham a posição oposta: desvalorizavam os resultados, diziam que os estudos internacionais padeciam de uma forma “redutora de ver a educação” e que não somos “nem piores nem melhores do que outras regiões” (ver citações no meu O ‘Eduquês’ em Discurso Directo, Gradiva, 2006, pp. 21-27).
Felizmente, o país não negou a evidência e pôs mãos à obra para inverter os resultados. Durante mais de uma década, sobretudo a partir de 2002, o país fez um esforço consciente para dar atenção aos resultados, sobretudo a Português e a Matemática, e para os melhorar, elevando os conhecimentos e a formação dos alunos.
Em 2004 foram instituídos exames no final do ano terminal da escolaridade obrigatória da altura (9.º ano) a Português e Matemática, realizados em 2006. Foram criados programas de ação especiais para essas duas disciplinas. Em 2007 foi criado um sistema de avaliação externa, de melhoria e creditação dos manuais escolares. Em 2010 deram-se os primeiros passos para estabelecer Metas, com o objetivo de clarificar os tópicos mais importantes de cada disciplina, e em 2012 foram estabelecidas Metas Curriculares, mais rigorosas e sequenciais, referências claras para o ensino e a avaliação, e foram aperfeiçoados alguns programas. Na altura, iniciaram-se as Provas Finais, primeiro no 6.º e depois no 4.º ano de escolaridade. Ou seja, durante mais de uma década, pelo menos cinco ministros, de diferentes partidos e orientações, prosseguiram uma atividade continuada de maior atenção aos resultados, de maior rigor nos programas e na avaliação, de aperfeiçoamento dos materiais de estudo.
Chegámos a 2015 e tivemos avaliações nos programas TIMSS e PISA que nos revelaram os melhores resultados de sempre. Não só em Matemática do 4.º ano superámos a então mítica Finlândia, deixando 36 países abaixo da tabela, como os jovens de 15 anos ultrapassaram pela primeira vez a média da OCDE, despertando as atenções da comunidade internacional para o nosso país.
Tudo isto aconteceu após os anos duros de 2011 a 2015, durante os quais, além das dificuldades financeiras e sociais que vivemos, o sistema educativo teve objetivos curriculares mais exigentes e teve de se alargar. A uma maior exigência curricular somaram-se outras responsabilidades. A escolaridade obrigatória estendeu-se do 9.º para o 12.º ano, e foi introduzido o Inglês obrigatório – que não o era na altura em nenhum ano de escolaridade –, logo a partir do 3.º ano e durante sete anos de escolaridade consecutivos. Não há dúvidas de que o nosso país, os nossos professores, alunos e famílias conseguiram um avanço notável.
Após algumas hesitações, a educação no nosso país mudou o seu caminho. Depois de serem abolidas as Provas Finais de 4.º e 6.º ano, interrompeu-se a avaliação e creditação de manuais e começou uma nova fase, em que o foco da flexibilidade curricular foi alterado. Na realidade, essa flexibilidade, e também a 25% dos tempos e matérias, já tinha sido estabelecida em 2014, mas na altura com avaliações finais e com a obrigatoriedade de cumprir as metas para as matérias estruturantes. Agora a flexibilidade curricular foi outra. Já não se trata de as escolas seguirem as suas opções para melhor ensinar as matérias fundamentais, trata-se de abandonar os objetivos cognitivos claros, de abandonar a sua avaliação e permitir que os programas sejam adaptados e reduzidos pelas escolas, conforme as características dos seus alunos e as opiniões dos seus professores.
Quando não se traçam e conhecem objetivos cognitivos e não se avalia o seu alcance pelos alunos, não importa o caminho. Mas os resultados não serão famosos. Foi o que se passou com a Finlândia a partir de 2003-2006: flexibilidade curricular, menosprezo pelos currículos e pela estrutura das disciplinas, predomínio do ensino por projetos, menor avaliação, mais felicidade… Os efeitos estão à vista. O país que, graças a uma atenção muito grande aos avanços no conhecimento dos alunos, tinha obtido excelentes resultados, passou de país modelo a país em decadência educativa acelerada. Não será um bom caminho.
É curioso que a flexibilidade, o menosprezo pela avaliação externa e o desinteresse pela exigência dos manuais escolares seja apresentado como forma de reduzir as desigualdades educativas. Não: é exatamente o contrário. Portugal foi citado no relatório oficial do PISA 2015 como sendo um dos raros (2) países/regiões que conseguiram simultaneamente melhorar os resultados globais e reduzir o número de alunos considerados “low performers” (vol. 1, p. 266).
Infelizmente, as percentagens de alunos com extremas dificuldades, que de 2012 para 2015 tinham melhorado em todos os três domínios do PISA, agravaram-se de 2015 para 2018. Os alunos com extremas insuficiências passaram de 17,4% para 20,2% em Ciências, de 23,8% para 23,3%, em Matemática, o que é uma ligeira melhoria, e de 17,2% para 19,6% em Literacia. São números extremamente preocupantes. Há ainda muito a fazer para melhorar a educação no nosso país, sobretudo dos alunos mais desfavorecidos. Por isso é tão importante a atenção à leitura, logo no princípio da escolaridade. Como é logo de seguida importante a atenção à matemática, às ciências, à história, à geografia, às artes, à literatura, ao conhecimento.
Se o ano de 2015 obteve os melhores resultados de sempre, o ano de 2018 revelou uma estagnação, acompanhada do aumento das desigualdades. A nossa encruzilhada é clara para todos os que defendem a importância do conhecimento e da formação exigente dos jovens. Vamos seguir o caminho da Finlândia e iniciar uma trajetória descendente ou vamos rumar para o futuro? Para quem sabe onde quer chegar, o caminho importa.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico