Só podemos lutar contra o racismo com consciência e vontade
O necessário trabalho em prol de uma consciência negra ainda não tomou uma verdadeira forma no espaço da lusofonia.
A noção de consciência deve ser constantemente lembrada e reforçada, especialmente quando se trata de direitos humanos. A consciência é memória, é conhecimento, é a verdade ou a sua busca; esta deve estar permanentemente atenta para interrogar, desafiar, corrigir e educar. Portanto, é necessário uma consciência vigilante para criar um mundo mais perfeito.
Há dias, em entrevista ao Instituto Allan Menengoti, que promove a democracia e a liberdade de imprensa no Brasil, e num âmbito propício, mês da Consciência Negra naquele país, tive a ocasião de discutir da importância dessa noção. Pareceu-me necessário voltar a ela no contexto de consciência negra, em geral e em particular no Brasil. Em 2001, o presidente da República Francesa Francesa, Jacques Chirac, decidiu fazer da data de 10 de Maio o dia comemorativo da abolição da escravatura. Com essa data, ele desejou dar à França a oportunidade de honrar a memória dos escravos e comemorar a abolição da escravatura. O dia também serve para fazer uma reflexão sobre toda a memória da escravatura, que durante muito tempo foi desprezada, a fim de reabilitá-la na história francesa. É também uma oportunidade de questionar como a memória da escravatura pode encontrar o seu devido lugar nos programas escolares.
Havia, portanto, um desejo de desenvolver o conhecimento científico sobre essa tragédia. Assim, consciência é memória, é conhecimento, é a verdade ou a sua busca. Ela permite reparar as identidades feridas a fim de criar uma paz verdadeira e sustentável. Essa lei, que uma deputada negra, descendente de escravos, Christiane Taubira, que alguns anos depois seria ministra da Justiça da República Francesa, defendeu com brio, foi votada pelo Parlamento francês em 10 de Maio de 2001. Isso é que justifica a comemoração neste dia. É também chamada Lei Taubira (n.° 2001-434). Ela reconhece o comércio transatlântico de escravos e a escravatura e permite lembrar o sofrimento infligido pela escravatura e a sua abolição. Assim, o desejo foi de criar uma consciência vigilante.
E os escravos são frequentemente apresentados como seres passivos e totalmente submissos ao seu destino miserável. Mas Zumbi dos Palmares, no Brasil, lembra que os escravos foram os primeiros actores da luta contra a escravatura. Logo, ele incarnou Coragem e Resistência. Como Toussaint Louverture, o libertador do Haiti, a primeira República Negra, fundada em 1804, Zumbi dos Palmares também representa, na história, a luta pela abolição da escravatura, um crime contra a humanidade, do qual milhões de negros foram vítimas. Lutou pela emancipação dos escravos. Por conseguinte, também representa a Liberdade e a Igualdade entre os seres humanos. Então, da mesma forma que o Juneteenth, ou o Dia da Emancipação, é comemorado nos Estados Unidos da América, a celebração do Zumbi dos Palmares no Brasil, no dia 20 de Novembro, data da sua morte, faz todo o sentido. É oportuna e necessária, pois, para o Negro, consciência é também poder contar a sua história e ver o mundo com os seus próprios olhos.
Este trabalho, de consciência ou memória, foi realizado de maneira séria e profunda no espaço anglófono, especialmente com afro-americanos; o movimento Harlem Renaissance e outros autores que se seguiram como James Baldwin. E o movimento da Negritude seguiu o ritmo na Francofonia, Discurso sobre o colonialismo, de Aimé Césaire, sem mencionar a obra salutar de Frantz Fanon, é uma ilustração perfeita. Mas, desafortunadamente, esse necessário trabalho ainda não tomou uma verdadeira forma na lusofonia, é o espaço mais carente. As vozes que os Portugueses criaram nesse espaço são assimiladas, lusotropicalistas e têm dificuldade em perceber os discursos que valorizam o Negro e a sua história. Elas não foram informadas sobre o Negro e não se interessaram por ele profundamente, são vozes de um universalismo que não tem nada delas. Há urgência. Porque aí também a consciência negra deve estar activa e vigilante, para restaurar a verdade sobre a sua história, para reparar o dano que o Negro sofreu.
A educação escolar e social é uma maneira de atingir esse objectivo. Em Portugal e no Brasil, particularmente, além do trabalho das associações e activistas anti-racistas, a vontade política é indispensável nesse campo. O Governo tem o dever de promover essa luta por meio de políticas dedicadas e acções concretas contra o racismo (leis, educar as crianças na escola, dando-lhes os meios para desenvolver o espírito crítico, o ensino superior e a pesquisa para aprimorar o conhecimento e combater os fenómenos racistas, treinar investigadores e magistrados especificamente para essa luta, mobilizar territórios, autoridades públicas, associações, desportos e media).
Os negros de todo o mundo têm uma história comum. Apesar das diferentes correntes, a relevância contemporânea do ideal pan-africanista continua a basear-se na unidade e na interconexão de destinos ligados por uma história comum de precariedade (comércio de escravos, escravatura, colonialismo e racismo) e um objectivo comum (emancipação). Neste caso, o destino dos negros no mundo está intimamente ligado ao futuro do continente africano. O debate sobre a complexidade da odisseia do Negro permanece nos mundos negros, como também existiu, ou existe ainda, na diáspora dos Judeus. Mas, ainda como os Judeus – em relação a Israel –, é da África, a mãe da sua cultura e da civilização que desenvolveu lá longe, que a diáspora pan-africana poderá receber a sua verdadeira regeneração. É por esse motivo que a 6.ª região da União Africana está a ser estruturada para criar um lugar para ela, e o Brasil deverá ter uma posição de destaque, por ser o país onde vive a maior diáspora africana ou, simbolicamente, o maior país africano.