“Manif” dos polícias – Aproveitamento à custa alheia
Não se vislumbra como uma formação inorgânica, por mais zeros que tenha, possa substituir um sindicato nos seus objetivos.
Numa das muitas intervenções da ASPP/PSP, tive a oportunidade de moderar em 2008 um seminário sobre o tema “Polícia – Profissão de Risco”. De entre várias conclusões então tiradas, figurava a exigência da função policial como profissão de risco merecer expressa consagração legal. Como habitualmente, e à semelhança de outras, esta reivindicação foi apresentada em tempo útil ao Governo e aos grupos parlamentares. Até hoje o executivo está em débito para o cumprimento dessa medida, não obstante existir uma recomendação parlamentar neste mesmo sentido. De igual jeito, e como consequência da atividade sindical e associativo-profissional policial, pende na atualidade um projeto de lei no sentido de ser aprovado o Estatuto da Condição Policial, depois de um projeto similar ter sido rejeitado na anterior legislatura, por grupos parlamentares, entre os quais, o do partido no poder, e que agora se apresentam solidários com a causa sindical policial.
Vem esta referência apenas para significar que, de um modo geral, as organizações representativas de profissionais da PSP e da GNR, enquanto unidades eleitas pela respetiva classe, tem sabido ativar-se na busca de soluções para as suas aspirações próprias e legítimas. Porém, este tipo de atividade num Estado de Direito Democrático tem as suas regras. Assim, o diálogo, a negociação, a persistência e a transparência constituem as balizas dentro das quais o sindicalismo relança a validação do seu projeto dinâmico no enquadramento de uma sociedade democrática. É, aliás, para tanto que o artigo 55.º da Constituição da República reconhece este formato organizativo como a via superior de consciência profissional.
Todavia, à sombra da permissividade da sociedade democrática aparecem movimentos algo abrangentes, que em dado momento, e por mais variados motivos, podem demonstrar o “quanto” da sua insatisfação pela situação vivencial, exigindo em simultâneo que o poder político aja mais em conformidade com as expectativas sociais. A sua componente difusa, por vezes radicada no anonimato, é propícia para o cometimento de desregramentos e distúrbios podendo culminar em atos violentos. Só que esta contextualização nada tem a ver com o sindicalismo. Em certos casos, embora possa haver coincidência entre as exigências desses movimentos e as reivindicações dos sindicatos, essa coincidência pode não existir na habitual forma de atuação de uns e outros. Neste aspeto, e ao contrário do entendimento do sr. ministro da Administração Interna, não há sindicalismo responsável; o sindicalismo é sempre responsável, portanto, incompatível com a ultrapassagem da linha vermelha para a sua atuação dentro do parâmetro democrático. De fora fica a arruaça – que pode bem ser o apanágio desses movimentos inorgânicos, não eleitos e anónimos, mas não de sindicatos ou associações profissionais, cujo comportamento está marcado por cânones de uma justaposição de solução de conflito e nunca pelo afrontamento.
No recente caso da “manif” policial do dia 21 de novembro, e pelo que se conhece das imagens televisivas, as pretensões do denominado Movimento Zero, pese embora mantendo o anonimato dos seus dirigentes e da sua forma organizativa, aparentam coincidir com as da ASPP/PSP e APG/GNR, que convocaram a manifestação. Ora, partindo da ideia de que o sindicalismo em geral pauta a sua conduta no contexto da lei – ter carater não clandestino; ser fruto de um resultado eleitoral e adotar estatutos publicados, legalmente aprovados –, não se vislumbra como uma formação inorgânica, por mais zeros que tenha, possa substituir um sindicato nos seus objetivos e menos ainda constituir uma mais valia nas suas finalidades, salvo se enveredar por caminhos que a lei não prevê nem aconselha. Mais: parece que o Movimento Zero quis viciar toda a filosofia e sentido da manifestação sindical, ao dar o palanquim do discurso (a carrinha da organização da manifestação) a um Sr. Deputado, que apareceu a fazer a afirmação de que o sindicalismo tradicional (numa implícita alusão à ASPP/PSP e APG/GNR) tinha os seus dias contados, daí decorrendo uma tentativa de desvirtuamento do próprio sentido da manifestação de polícias, que, por natureza, tem de ser apolítica e não partidária. Talvez aqui resida a motivação para colocar os blocos de betão a título preventivo. No entanto, o melhor que aconteceu foi os organizadores, por esta altura, darem a manifestação por terminada.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico