Corais, berbigões e lapas gigantes encontraram-se todos num fundo que quer conservá-los
Os invertebrados marinhos ocupam a edição deste ano do Fundo de Conservação dos Oceanos. Os projectos de investigação vencedores recebem esta quarta-feira, em Lisboa, os seus prémios.
Três projectos acabam de vencer a 3.ª edição do Fundo de Conservação dos Oceanos, que desde 2017 premeia ideias sobre a conservação da biodiversidade marinha. No total, serão entregues 150 mil euros. Um projecto sobre corais e esponjas de profundidade recebe cerca de 60 mil euros. Outro projecto sobre o berbigão na ria de Aveiro obtém quase 57 mil euros. Por fim, um projecto sobre a lapa gigante das ilhas selvagens terá à sua disposição aproximadamente 33 mil euros.
Os vencedores são anunciados esta quarta-feira à tarde pelo Oceanário de Lisboa e pela Fundação Oceano Azul, instituições que promovem o Fundo de Conservação dos Oceanos. Sob o tema “Invertebrados marinhos – Proteger no mar, o futuro da Terra”, a edição deste ano recebeu 16 candidaturas, que foram avaliadas por um júri de especialistas na área de conservação. Desde o início deste fundo, incluindo a edição deste ano, investiram-se 400 mil euros, em oito projectos.
Os “jardins” do mar profundo português
Em Portugal, já foram encontradas cerca de 120 espécies de esponjas em baixas profundidades e aproximadamente 300 espécies em mar profundo. “Para os corais, o número não será muito diferente”, indica Joana Xavier, investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (Ciimar). “Estes números são sempre subestimados em relação àquilo que existirá na realidade.” Joana Xavier é a coordenadora do projecto DEEPbaseline, que pretende aumentar o conhecimento sobre a diversidade de esponjas e corais na plataforma continental portuguesa e que recebe 59.700 euros do Fundo de Conservação dos Oceanos.
Para isso, o Ciimar conta com a colaboração do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, da Universidade dos Açores e das comunidades piscatórias. “O objectivo último é fomentar não só o conhecimento, mas também a consciencialização sobre as espécies [de esponjas e corais] e promover acções sustentáveis para a sua conservação”, afirma Joana Xavier. O projecto irá centrar-se nas esponjas e nos corais da costa Norte de Portugal continental – desde Caminha até Leixões – que vivem em zonas entre os 20 e os 750 metros de profundidade. “Neste momento, estamos a focar-nos na plataforma continental e no talude superior de Portugal continental, mas não quer dizer que o projecto não seja depois replicado a outros níveis.”
Joana Xavier explica que é comum os pescadores capturarem acidentalmente alguns destes organismos e, por isso, poderão ter informação relativa à distribuição ou às tendências populacionais das espécies. “Achamos que esta é uma fonte de conhecimento que ainda está muito subaproveitada para trabalhos científicos.” Os dados recolhidos pelos cientistas e pelos pescadores serão depois agregados numa base de dados online de acesso aberto. “Para que isso funcione, vamos organizar um conjunto de workshops”. O conhecimento sobre as esponjas e corais servirá também para propor medidas e desenvolver ferramentas que visem a gestão sustentável e a conservação destes animais e dos habitats por eles formados.
As esponjas e corais formam habitats, que fazem lembrar jardins, com papéis ecológicos importantes para o equilíbrio do ecossistema marinho. “Quando ocorrem em grandes agregações, são elementos estruturantes do fundo do mar”, esclarece Joana Xavier. “Têm uma estrutura tridimensional que é óptima em termos de habitat para outros organismos, como pequenos crustáceos e peixes.” As esponjas e os corais pertencem a filos diferentes e possuem morfologias distintas, mas são seres aparentados. “Tanto um como outro apareceram nos oceanos há muito tempo, há mais de 500 milhões de anos, e existem muitas espécies.”
A pesca de arrasto é uma das principais ameaças que colocam em perigo estes invertebrados. Joana Xavier destaca também a exploração de petróleo – devido ao impacto sobre os fundos marinhos – e as alterações climáticas. Contudo, no mar profundo – onde se forma a maioria dos recifes de coral em Portugal –, o impacto das mudanças climáticas ainda é pouco conhecido.
Como vai o “engenheiro do ecossistema”?
Luísa Magalhães, investigadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (Cesam), é a coordenadora do projecto Abordagem Cooperativa Aplicada à Conservação e Gestão do Berbigão (COACH, no acrónimo em inglês). O trabalho incide sobre a espécie Cerastoderma edule na ria de Aveiro. Descrito em 1758 por Carlos Lineu, este berbigão existe em toda a costa atlântica, em vários países da Europa e também no Norte de África. Luísa Magalhães explica que é no continente europeu que a espécie é mais valorizada em termos comerciais.
O projecto COACH é financiado em 56.775 euros. Além do estudo da biologia da espécie, a equipa irá desenvolver uma plataforma online de acesso aberto para reunir a informação recolhida sobre a distribuição da espécie. “A ideia é que esta informação seja actualizada regularmente com dados sobre a reprodução do berbigão ou a ocorrência de alguma ameaça sobre a espécie. Por exemplo, uma doença”, clarifica Luísa Magalhães. Através desta ferramenta será possível ainda definir medidas de conservação, que deverão ser estabelecidas também com base na opinião das partes interessadas, como os pescadores.
Os dados recolhidos sobre a distribuição, abundância e saúde reprodutiva da espécie permitirão avaliar o estado das populações de berbigão na ria de Aveiro. “Não existe uma análise do ciclo de vida, nem do ciclo reprodutivo do berbigão na ria de Aveiro”, aponta Luísa Magalhães. “Para além disso, em diversos países da Europa, estão a surgir novas doenças que atacam os bivalves e na ria de Aveiro não se sabe se essa ameaça existe.”
A equipa espera ainda promover a sustentabilidade da apanha deste bivalve, através da fundação de uma cooperativa de mariscadores de berbigão. Luís Magalhães explica que este grupo será formado por pessoas interessadas na conservação do berbigão, como pescadores, gestores ou investigadores. “Desta forma podemos gerir o recurso trabalhando de igual forma, em vez de haver um órgão de gestão superior a decidir o que acontece no campo, que muitas vezes não tem em conta o dia-a-dia das pessoas que vivem da apanha do recurso.” A investigadora considera que o financiamento do Fundo de Conservação dos Oceanos será bastante útil não só para o estudo do berbigão, mas também para criar e divulgar a plataforma online e a cooperativa.
O berbigão é considerado o “engenheiro do ecossistema”. A actividade deste invertebrado desencadeia um processo de bioturbação, isto é, a movimentação dos sedimentos e do ambiente à sua volta. Isso cria condições favoráveis para outras espécies se estabelecerem. O próprio berbigão é também habitat de espécies parasitas e um importante elo de ligação entre as cadeias tróficas inferiores e superiores.
Lapa gigante das Selvagens: endémica ou não?
O projecto As Lapas das Selvagens (SLIP, no acrónimo em inglês), que recebe do Fundo de Conservação dos Oceanos 33.525 euros, tem como objectivo final definir uma estratégia de conservação da lapa gigante das ilhas Selvagens (Patella candei), no arquipélago da Madeira. A equipa é coordenada pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) e inclui investigadores do Museu de História Natural do Funchal, do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve e do Instituto Português de Malacologia.
O biólogo Gonçalo Calado, da ULHT, explica que o conhecimento científico sobre esta lapa é escasso. “Sabe-se que é uma espécie de grandes dimensões [a concha mede entre dez e 15 centímetros de comprimento], ou que vive na zona entre-marés da Selvagem Grande e da Selvagem Pequena.” Esta lapa gigante é herbívora e foi descrita pela primeira vez em 1840, na ilha de Tenerife (Canárias) por Alcide Dessalines d'Orbigny.
Actualmente, nas Canárias, a espécie está circunscrita à ilha de Forteventura. O número de indivíduos deste molusco foi diminuindo ao longo dos anos devido à apanha para consumo, tanto no arquipélago das Canárias como nas Selvagens (até estas ilhas terem ficado protegidas numa reserva natural em 1971). “Há trabalhos contraditórios sobre se a espécie das Selvagens é ou não a mesma da das Canárias. Há um trabalho mais recente que diz que sim e há outros que dizem que não”, refere Gonçalo Calado.
Através de estudos genéticos, esta equipa quer dissipar a dúvida e perceber se a lapa gigante das ilhas Selvagens é aí endémica. A partir daí, os investigadores poderão ajudar a definir o estatuto de conservação das populações das ilhas Selvagens e promover medidas de protecção. “No Mediterrâneo, existe outra lapa, a Patella ferruginea, que está classificada como criticamente em perigo”, assinala Gonçalo Calado. “A lapa gigante das ilhas Selvagens tem certamente efectivos populacionais mais pequenos e não tem nenhum estatuto de conservação.”
Com o dinheiro proveniente do Fundo de Conservação dos Oceanos, a equipa planeia ir às Selvagens em Junho. Gonçalo Calado diz que o financiamento vai ser “muito útil” para fazer os estudos genéticos. Os cientistas irão sequenciar e comparar os genes activos das populações das lapas gigantes das Selvagens e compará-los ainda com os genes das lapas de Forteventura e de duas espécies da Madeira e dos Açores, que já foram consideradas subespécies da lapa gigante das ilhas Selvagens. “Para resolver esta parte [o dinheiro] chega perfeitamente. Depois queremos arranjar outro tipo de financiamento [para o estudo sobre o estatuto de conservação].”
Texto editado por Teresa Firmino