Cidades perdidas

Assumindo que o turismo e o multiculturalismo — fruto da globalização — são uma mais-valia para países como o nosso, não podemos desviar o olhar da crescente descaracterização das nossas cidades.

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Adriano Miranda / Publico

A metrópole é formada pelo conjunto das suas gentes. Indivíduos com características únicas e que ajudam a colorir os céus cinzentos no inverno e a poluir sonoramente os jardins e os passeios durante o verão. A beleza e individualidade das diferentes cidades por esse mundo fora reside nas pequenas diferenças na forma de ser, de falar, de vestir e de levar a vida do cidadão comum. Estas pequenas singularidades obrigam a falarmos na cultura, no modo de vida e na diversidade inerente a cada cidade sempre que falarmos em políticas de habitação.

Assumindo que o turismo e o multiculturalismo — fruto da globalização — são uma mais-valia para países como o nosso, não podemos desviar o olhar da crescente descaracterização das nossas cidades: os monumentos históricos utilizados para eventos culturais internacionais, os prédios de interesse nacional que são transformados em hotéis, os prédios devolutos que são transformados em alojamento local, as tascas trocadas por “cafés in”, as famílias bairristas que são desalojadas para dar lugar a turistas de todo o mundo.

O jovem que quer viver sozinho tem duas soluções: ou é rico ou trabalha, única e exclusivamente, para pagar a renda de um chão com quatro paredes e um tecto de 60 metros quadrados. Deixando de parte o paternalismo bacoco de que no antigamente também não dava para muito mais, temos que olhar e analisar o panorama imobiliário das nossas cidades. Considerando que o ordenado médio em Lisboa se situa nos 1000 euros, exigir a um jovem — e atenção que estendo este conceito até aos 32 anos — uma renda de 700 euros é não só caricato como pornográfico. E a realidade nacional é proporcional aos exemplos trazidos da capital.

A curiosidade está no legislador que diz defender o direito fundamental à habitação mas que depois não regula da forma correcta. Carrega na tributação dos alojamentos locais, mas permite a proliferação desses mesmos alojamentos como se fossem cogumelos. Reduz o imposto a pagar pelos proprietários que celebram contratos de arrendamento de longa duração, mas aplica taxas camarárias sem fim. A política do “toma-lá-dá-cá”, de impostos versus taxas, acaba sempre por conduzir ao mesmo resultado: asfixia do proprietário, transferida para o arrendatário. Se a rima não fosse tão boa, seria caso para chorar (mas não pedir por mais).

Despejamos as famílias dos centros das cidades, remetendo-as para a periferia. Não investimos em redes de transporte funcionais. Percursos de meia hora multiplicam-se em duas. Asfixiamos o próximo com o único intuito de lucrar mais – afinal, o aparelho estatal não é assim tão pequeno. Conduzimos o cidadão comum para ataques de nervos, depressões constantes e uma coabitação familiar fantasma. Trocamos a família que vivia alegremente nos bairros históricos das nossas cidades pelo lucro fácil de quem nos vem visitar.

Esquecemo-nos que a cultura que nos caracteriza depende, em grande medida, do cidadão comum e das suas mais ínfimas particularidades. Abraçar políticas de realojamento urbano pode não ter uma mais-valia imediata, mas pelo menos é o caminho certo para devolver a alma portuguesa às nossas ruas. Organizar uma cidade, devolvendo-a às suas gentes.

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