Portugal ambiciona ter um novo Prémio Nobel?
Nos EUA, a agência equivalente à FCT abre concursos três vezes por ano, sempre nas mesmas datas – 5 de Fevereiro, 5 de Junho e 5 de Outubro –, independentemente do orçamento anual para a ciência.
Portugal comemora este ano o 70º aniversário do Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina, atribuído em 1949 a Egas Moniz pelo desenvolvimento da técnica de leucotomia pré-frontal no tratamento de psicoses. Hoje, Portugal tem uma comunidade científica maior, mais qualificada e mais internacional. Portanto, é pertinente perguntar ao XXII Governo de Portugal que está prestes a tomar posse: “Portugal ambiciona ter um novo Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina?” Para preparar terreno fértil para a emergência de outro Prémio Nobel, o Governo deverá responder a estas questões: qual é a ambição de Portugal? De que condições precisam os cientistas? Quantos cientistas se pode ou deve financiar? Que instituições queremos ter?
Israel, Áustria ou Suécia são países da nossa dimensão populacional. Os três, no seu conjunto, receberam desde o novo milénio, dez prémios Nobel em áreas científicas. Segundo os dados da OCDE, em 2017, Israel investiu 4,5%, a Suécia 3,4% e a Áustria 3,2% do PIB em investigação e desenvolvimento. Por comparação, Portugal investiu apenas 1,3%. O financiamento é, portanto, vital para a competitividade da investigação científica, não se fazem omeletes sem ovos.
Mas este não é o único ingrediente. São necessárias, sobretudo, visão e ambição de longo prazo e uma estratégia para lá chegar. Essa visão é tanto mais necessária quando falamos de recursos financeiros escassos. São necessários estudos minuciosos e consensos entre os decisores políticos que permitam investir de forma continuada num sector de atividade que só trará frutos dentro de 20 a 30 anos.
Consideramos que há medidas que podem ser implementadas numa legislatura.
– Estabelecer um sistema de financiamento regular e competitivo. Na última legislatura, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a principal agência de financiamento nacional para a atividades ligadas ao conhecimento e inovação, abriu um único concurso em 2017 para projetos de I&D em todos os domínios científicos. Pelo contrário, durante a troika houve concursos em 2012, 2013 e 2014. Nos EUA, a NIH (a agência equivalente à FCT) abre concursos três vezes por ano, sempre nas mesmas datas – 5 de Fevereiro, 5 de Junho e 5 de Outubro –, independentemente do orçamento anual para a ciência.
A FCT deve abrir concursos competitivos para atribuição de projetos científicos todos os anos, independentemente do ministro/a ou do orçamento disponível. Isso permite às equipas desenvolver projetos de qualidade a longo prazo, sem interrupções, podendo estabelecer metas mais ambiciosas e cumprir compromissos internacionais de forma continuada e credível. O maior entrave à qualidade da ciência portuguesa é a incerteza governativa e a falta de vontade política. Não a crise financeira.
– Criar condições para uma carreira de investigador baseada no mérito e atrativa a nível internacional. Todos os países com maior impacto em investigação e inovação oferecem um sistema de posições estáveis, sujeitas a avaliações periódicas. O sistema vigora tanto em países de tendência liberal ou social, como os EUA, Suécia, Itália, Alemanha, Holanda e Suíça.
Portugal, atualmente, não oferece condições para uma carreira científica estável. Os investigadores vão concorrendo a programas variados, a prazo, que mudam de tipologia conforme os governos, e só uma pequena percentagem consegue integrar-se na carreira docente das universidades. O Governo cessante lançou também várias iniciativas para a contratação de investigadores (Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual; Concurso Estímulo ao Emprego Científico Institucional; DL 57/2016; PREVPAP). Estas iniciativas, lançadas de forma avulsa e sem articulação com as instituições, focaram-se nos cientistas mais novos, ainda em formação, que estão sob supervisão de diretores de unidades de investigação. Paradoxalmente, o Governo reduziu consideravelmente o orçamento para esses mesmos diretores. Sem carreira estável, muitos diretores de unidades de investigação com prestígio internacional, que leccionam, que participam na formação de alunos de mestrado e doutoramento e que captam prémios e financiamento internacional, têm contratos a prazo há mais de dez anos. Neste momento, muitos deles encontram-se até sem contrato ou com o futuro muito incerto, devido à pouca regularidade e à grande morosidade dos concursos lançados pela tutela. Também não se estranha que esta realidade seja pouco atrativa para investigadores estrangeiros.
É urgente criar uma carreira de investigação com financiamento apropriado, que vise a valorização dos melhores recursos humanos do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, desde os mais jovens até aos mais seniores. Um possível modelo para a carreira de investigação seria que a FCT, após concurso internacional, financiasse os primeiros cinco a sete anos do salário de um investigador diretor de unidade de investigação. No final deste período, e em caso de avaliação de desempenho positiva, o centro de investigação ou universidade deveriam ter autonomia e capacidade financeira para propor um contrato sem termo a esse Investigador.
Estas ideias não são pioneiras ou inusitadas. Em 2017, a OCDE, e em 2018, o Manifesto Ciência Portugal 2018, recomendaram que o financiamento em ciência deve ser previsível e definido para um horizonte de médio prazo, a par da criação de uma estratégia nacional para o conhecimento e a inovação articulado entre os ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, da Educação, da Economia e das Finanças.
Países que tratam a ciência aos soluços e sem estratégias concertadas e consistentes não serão, com certeza, incubadores de futuros prémios Nobel. Esse papel será daqueles que protegem, nutrem e valorizam a ciência e o conhecimento como motores de desenvolvimento da Sociedade.
Resta saber se o Governo ambiciona um novo Prémio Nobel para Portugal. Haja ambição!