Tirar o maior proveito da micromobilidade
O verdadeiro desafio para os operadores e autoridades públicas é como aumentar o uso desses modos partilhados, tornando-os um componente regular da mobilidade diária para muitos cidadãos, em vez de apenas uma opção agradável para viagens ocasionais.
Forte apelo privado, possíveis benefícios públicos
As soluções de micromobilidade (bicicletas e trotinetes) cresceram espetacularmente em muitas cidades do mundo. As trotinetes elétricas atraíram um grande número de novos utentes, mesmo em cidades onde o seu preço é muito superior ao das bicicletas partilhadas, sugerindo que elas são preferidas por diferentes segmentos da sociedade. A introdução de bicicletas elétricas nos sistemas partilhados provou ser muito popular e pode ser decisiva para o seu uso, especialmente quando estão envolvidas distâncias e/ou declives maiores.
E, embora a micromobilidade possa substituir uma parte das viagens de transporte público, também pode ser decisiva para a sua adoção em muitas outras viagens, pois fornece a ligação de “primeira/última milha” entre as estações e as origens e destinos reais.
Ao mesmo tempo, pode haver benefícios muito significativos para a sociedade com a adoção destas novas opções de mobilidade, na medida em que substituam as viagens de carro, devido ao seu impacto muito positivo na poluição, congestionamentos e emissões e até na saúde pública. Podem também proporcionar uma maior equidade de acessibilidade.
Afetação adequada de espaço público, essencial para a segurança
Para dirigir com segurança os veículos em qualquer um desses modos, é necessário um mínimo de coordenação de movimentos, mas isso não é problema para grande parte da população. As verdadeiras questões de segurança estão no uso conjunto do espaço nas ruas com peões e/ou com veículos rodoviários.
Quando uma boa ciclovia segregada não existe ou não é percebida como segura, duas coisas acontecem: o número de utentes é muito menor (pela abdicação de quem não quer andar ao lado de carros) e alguns utentes passam para o passeio (por medo de partilhar o espaço da estrada com carros).
Mesmo que reconheçam os benefícios, as autoridades enfrentam o problema de encontrar o espaço público necessário para fornecer aos utentes da micromobilidade condições operacionais seguras. É necessário espaço adequado não apenas para as deslocações, mas também para o estacionamento.
Mas o verdadeiro desafio para os operadores e autoridades públicas é como aumentar o uso desses modos partilhados, tornando-os um componente regular da mobilidade diária para muitos cidadãos, em vez de apenas uma opção agradável para viagens ocasionais. Para cada utente atual, isso significaria ir de quatro ou cinco viagens por mês para 40 ou 50, enquanto muitos outros utentes poderiam ser atraídos. E ao passar a ser uma solução de todos os dias, a maior parte dos utentes incluiria o porte e o uso do capacete na sua rotina.
Isso traria uma mudança dramática para o perfil da receita por veículo (muitas viagens urbanas feitas de carro têm menos de 4 km de extensão e são feitas fora do pico).
A barreira para esse aumento de escala parece ser uma combinação de preço, espaço operacional seguro e disponibilidade de frota, em diferentes combinações em diferentes cidades.
Em muitas cidades, há assinaturas mensais e anuais bastante acessíveis para bicicletas partilhadas, tornando-as uma opção viável para uso diário, se houver oferta suficiente em termos de número, cobertura geográfica e tração, juntamente com condições operacionais seguras. A maioria desses esquemas é liderada por autoridades públicas e subsidiada significativamente.
Os operadores privados não subsidiados (de bicicletas partilhadas e trotinetes elétricas) têm uma proposta de valor e preço diferente, colocando a sua oferta principalmente como uma opção de “experiência agradável” para uso não diário. Uma quota de mercado muito mais forte poderia ser alcançada com a introdução de pacotes tarifários, tanto para o uso mais intensivo desses veículos como para o seu uso integrado com o transporte público. Para ser eficaz, isso requer um investimento significativo em frota adicional (e nos seus processos de reposicionamento).
Do ponto de vista da autoridade pública, esse aumento implica fornecer uma rede de pistas de duas rodas (2R) segregadas e bem projetadas e condições adequadas nos cruzamentos, garantindo aos cidadãos uma viagem segura do início ao fim da viagem. É aqui que está o problema: o espaço público ao nível da rua está totalmente comprometido, afetar parte dele para esse uso implica retirá-lo de outro uso.
O alvo mais óbvio para essa operação é o espaço usado para o estacionamento na via. É importante distinguir entre o estacionamento usado pelos moradores – especialmente aqueles que não têm um estacionamento particular – e o usado pelas pessoas que viajam para a área, seja para trabalho ou para outras atividades.
A parte usada pelos residentes é a mais difícil de gerir. Partes significativas das nossas cidades possuem prédios de apartamentos sem garagens e, em muitas dessas áreas, o serviço de transporte público não está a um nível que facilite a vida sem carro. São bem conhecidos muitos casos de resistência dos moradores à perda de alguns lugares de estacionamento.
Essa dificuldade política torna o desenvolvimento sério de uma rede de faixas seguras de 2R um caso de “ovo e galinha”: a força política para justificar uma rede ampla e segura de faixas de 2R só aparece quando houver um grande número de utentes de micromobilidade, mas esse número não consegue concretizar-se enquanto essa rede não estiver disponível.
Ação coordenada é a chave!
Uma solução para esse problema pode ser encontrada por meio de ações coordenadas: o município poderia instalar uma rede 2R de alta qualidade em partes da cidade onde o espaço público é mais facilmente disponível (avenidas mais amplas, maior percentagem de habitações com estacionamento próprio). Para ter uma escala significativa, isso já deve permitir viagens de pelo menos 2 km (meia hora a pé) e incluir acesso a uma ou duas estações de transporte público pesado.
Os operadores de micromobilidade introduziriam, paralelamente, pacotes tarifários atrativos e aumentariam a sua oferta naquela área, sobretudo nas imediações das estações de transporte público que a servem. Como todos esses veículos são georreferenciados, preços promocionais especiais em áreas designadas podem ser facilmente aplicados para esses serviços.
Este exercício deve ser monitorado com uma recolha de dados cuidadosa e fiável, permitindo comparações antes e depois. Isso permitiria algumas melhorias de projeto na mesma área e forneceria lições para as próximas áreas de implementação.
E se as taxas de adoção forem boas e com forte transferência de viagens de carro, isso pode servir como demonstração da eficácia da intervenção, criando assim a legitimidade política para programas mais ousados de construção dessa rede de 2R e promoção do uso da micromobilidade como instrumento de uma mobilidade urbana limpa, eficiente e justa. Esquemas de subsídios cuidadosamente desenhados podem ser justificáveis.
Tanto para os municípios como para os operadores de micromobilidade, isso significa sair da zona de conforto, mas certamente parece que vale a pena tentar!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico