Carta aberta: O estado paliativo dos cuidados paliativos em Portugal
É fundamental sublinhar que se não houver uma evolução significativa dos cuidados paliativos, os jovens da atualidade vão ter uma sobrecarga significativa com os cuidados que, direta ou indiretamente, terão de prestar.
Exmo. Senhor Presidente da República Portuguesa,
Exma. Presidente da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos e restantes membros,
Exmo. Presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos,
A Juventude Social Democrata vem, pela presente carta, dar conta da sua preocupação quanto ao Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos em Portugal. Apesar de poder parecer improvável a abordagem desta temática por parte uma juventude partidária, de facto, trata-se de um tema cada vez mais nosso, dos jovens, pela sua transversalidade e urgência social.
É fundamental sublinhar que se não houver uma evolução significativa dos cuidados paliativos, os jovens da atualidade vão ter uma sobrecarga significativa com os cuidados que, direta ou indiretamente, terão de prestar. Esta sobrecarga poderá comprometer a sua vida pessoal e profissional, com consequências importantes para o estado social e para a economia. Para além disso, a discussão sobre o fim de vida deve ser refletida na idade jovem para que, enquanto detentor das suas plenas capacidades cognitivas, físicas e mentais possa redigir as suas diretivas antecipadas de vontade, através do testamento vital. Por fim, os cuidados paliativos não são limitados a doentes idosos, uma vez que pessoas mais jovens podem ter doenças que exijam, de forma precoce, este tipo de cuidados, nomeadamente, as patologias neurodegenerativas. Mais do que tudo isto, a resposta em cuidados paliativos num país está diretamente relacionada não só com o seu índice de desenvolvimento, mas sobretudo com o tipo de sociedade que sonhamos. A Juventude Social Democrata sonha com uma sociedade que promova a dignidade da vida humana, desde a vida até à morte.
Defendemos que é urgente debater os Cuidados Paliativos e, mais do que isso, é urgente que este tema se torne prioritário nas políticas de saúde. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a tornar-se obsoleto e completamente desadequado às reais necessidades da população em geral. Entendemos que, de facto, a evolução científica foi rápida e que a epidemiologia das doenças se modificou, drasticamente, com um predomínio atual das doenças crónicas, como as neoplasias e doenças cardiovasculares, em detrimento das doenças infeciosas. A mudança de paradigma pressupõe que as pessoas, atualmente, associem a longevidade à qualidade de vida, vivendo mais anos, mas querendo viver bem nos anos que vivem. Ninguém estava preparado para esta evolução, mas congratulamo-nos com alguns países, como o Reino Unido e Bélgica, onde tentaram responder ao turbilhão científico que vivemos e viveremos. Não é possível responder a este turbilhão com meias medidas ou objetivos pela metade. É necessário responder com medidas incisivas e fortes, baseadas em evidências científicas, clínicas e de custo-efetividade, de forma a garantir uma correta implementação de Cuidados Paliativos. Basta de tapar o sol com a peneira!
O Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos (PEDCP) 2017-2018 colocou como objetivo 492 camas de Cuidados Paliativos, contrariando a recomendação da Associação Europeia de Cuidados Paliativos (AECP) de 80 a 100 camas de Cuidados Paliativos por cada 100.000 habitantes para Portugal. Se o objetivo é em si, como se entende, pouco ambicioso, a sua concretização foi ainda assim falhada. Portugal tem, hoje, apenas 360 camas de Cuidados Paliativos, tendo aumentado em 14 nos últimos dois anos. Para nossa grande surpresa, o PEDCP 2019-2020 manteve um objetivo modesto, entre 391 a 491 camas até final de 2020. Não aceitamos, mais uma vez, a meta do número de camas de Unidades de Cuidados Paliativos ser 50% das consideradas necessárias pela AECP, devido à não existência do conceito de “hospice” em Portugal. Em vez de ignorar esse facto e considerar, prontamente, reduzir uma meta tão importante para metade, dever-se-ia adaptar o conceito “hospice” à cultura portuguesa e, consequentemente, redefinir uma meta realista que vá ao encontro do proposto pela AECP.
O mesmo se verifica nas Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos. Se em julho de 2016 existiam 14 equipas comunitárias em Portugal, tendo sido colocado o objetivo no PEDCP 2017-2018 de alcançar as 100 equipas comunitárias, hoje temos 19 equipas em funcionamento, com uma provável resposta pouco efetiva e eficaz às reais necessidades dos doentes. No entanto, mais uma vez ficamos surpreendidos com o PEDCP 2019-2020, em que foi diminuído o objetivo para 58, justificando que seria mais adequado formar equipas maiores em determinados agrupamentos de centros de saúde.
Neste âmbito, é importante recordar que os doentes que são beneficiários de medidas paliativas não têm, na maioria das vezes, as suas vontades de fim de vida a serem cumpridas e respeitadas, acabando por morrer em contexto hospitalar (quando o desejo declarado da maioria é despedir-se da vida em casa, junto de familiares e entes queridos). Os cuidados de saúde domiciliários devem ser desenvolvidos para que a opção de morrer em casa seja real, suportada com os cuidados de maior qualidade, e distribuídos de forma justa a um maior número de pessoas. As Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) têm sido importantes para a criação de equipas domiciliárias dentro dos Cuidados de Saúde Primários, ainda que dirigidas a ações de reabilitação em doentes em situação de fragilidade e dependência, e que são claramente insuficientes. Os cuidados paliativos domiciliários são uma área demasiado importante para ser relegada para segundo plano.
No sentido de dar resposta às lacunas acima referidas, propomos também a criação de uma rede social de apoio, através da articulação organizada entre os ministérios da Saúde e do Trabalho e da Segurança Social na estruturação da Rede Nacional de Cuidados Paliativos, em oposição ao que se verifica atualmente, em que toda a estrutura está criada, de forma insuficiente, sob alçada do Ministério da Saúde.
Um cenário igualmente preocupante se verifica a nível dos Cuidados Paliativos Pediátricos. Existem em Portugal cerca de 7955 crianças com necessidade de Cuidados Paliativos e apenas duas Equipas Intra-Hospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos Pediátricas, uma em Lisboa e uma em Coimbra. No que ao cuidado domiciliário diz respeito, não existe nenhuma estrutura organizada prestadora de Cuidados Paliativos Pediátricos no domicílio.
Do nosso ponto de vista, a inércia do desenvolvimento dos Cuidados Paliativos em Portugal tem como base a ausência de financiamento e capacidade de organização dos recursos humanos. É urgente criar condições de trabalho para os profissionais de saúde se dedicarem em exclusivo aos Cuidados Paliativos, nomeadamente médicos, enfermeiros, psicólogos, técnicos de assistência social, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e assistentes espirituais. Tal com a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos referiu em audiência parlamentar em 16 de abril de 2016, “não vale a pena estar a dizer que há 68 médicos, que são poucos, quando na verdade destes médicos haverá 30 ou 40 que nem sequer estão a trabalhar nas suas tarefas e para aquilo que estudaram”. É urgente organizar o SNS nesse sentido para então haver condições para o aumento do número de camas e de equipas domiciliárias, assim como o funcionamento eficaz das equipas intra-hospitalares e toda a Rede de Cuidados Paliativos.
Estamos perante uma urgência clínica, social e económica para o país a que a Juventude Social Democrata não se pode alhear e, por isso, exigimos maior assertividade para que, finalmente, os Cuidados Paliativos sejam uma prioridade e uma realidade em Portugal.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico