Não só de quatro em quatro anos, mas todos os dias
No dia 6 de Outubro ficou patente que quase metade dos portugueses não acredita nos seus políticos. Não acredita num sistema que tem dificuldade em reconhecer o mundo em que vivemos e que é incapaz de pensar mais além duma agenda, duma legislatura e dum partido.
Os novos inquilinos da Assembleia da República não vão poder apresentar as soluções de ontem para os problemas de hoje. As alterações climáticas, as desigualdades sociais e a debilidade do multilateralismo exigem novas formas de fazer política. A desconfiança dos cidadãos em relação aos seus representantes, a dificuldade dos meios de comunicação para promover o debate público e a aversão dos partidos políticos a abordar problemas estruturais exigem repensar como educamos, informamos e pensamos em Portugal.
No dia 6 de Outubro ficou patente que quase metade dos portugueses não acredita nos seus políticos. Não acredita num sistema que tem dificuldade em reconhecer o mundo em que vivemos e que é incapaz de pensar mais além duma agenda, duma legislatura e dum partido. Um sistema de pesos e contrapesos que admite novos partidos e novas caras, mas que rejeita a mudança. Mais além dos debates partidários, de quem ganhou e de quem perdeu, é evidente que nenhum partido foi capaz de articular um projecto ambicioso, credível e sustentável para o futuro. Comprometeram-se a combater a corrupção, descarbonizar a economia e aumentar o crescimento, mas esqueceram-se de explicar como será possível compatibilizar um planeta finito com um crescimento económico infinito, ou como será possível acabar com a corrupção quando não se implementam as medidas recomendadas internacionalmente para o fazer.
Desde a esquerda à direita apela-se à confiança nas instituições democráticas e fazem-se promessas atrás de promessas. Os espectadores perdem-se num ciclo de desinformação onde tudo parece ser possível, onde as crises são ininterruptas e onde a capacidade de raciocínio é facilmente derrotada pela capacidade de pregoar soundbites. É, portanto, da responsabilidade dos meios de comunicação, acompanhar a legislatura tal como acompanharam a campanha eleitoral, monitorizando o cumprimento dos programas eleitorais, questionando a lógica das políticas económicas e escrutinando a consistência das decisões ambientais tomadas. Pede-se aos jornalistas que dêem mais tempo de antena às ideias dos representantes e menos às intervenções dos fundamentalistas na Assembleia.
Temos que voltar a ser capazes de avaliar criticamente o desempenho da nossa classe política, impedindo assim que a incompetência se perpetue no poder. Mas fazê-lo exige também apercebermo-nos que os nossos representantes são produtos sociais. Não emergem de fora do sistema, tendo a maioria sido educada em universidades portuguesas, consumido meios de comunicação nacionais e trabalhado em Portugal. Quando os questionamos estamos também a reflectir sobre como podemos contribuir para melhorar um sistema do qual fazemos parte, como gostaríamos que as coisas fossem e como gostaríamos que os outros se comportassem. A realidade é que os cidadãos não pensam criticamente porque não lhes foram proporcionadas as ferramentas para o fazer. Os jornalistas não combatem a desinformação porque não dispõem dos recursos para compaginar audiências e informação. Os políticos não evoluem porque não percebem que a política deve ser sobre o que queremos para o futuro, não sobre quem devemos culpar pelo passado.
Seria ingénuo pensar que quanto mais sabemos melhor somos capazes de fazer. O conhecimento não é inerentemente bom. Contudo, permite fomentar uma independência de pensamento necessária não só para interpretar, mas também para criticar e ser capaz de distinguir entre erros e mentiras. Não existem atalhos para que os cidadãos exerçam o seu direito a voto, os jornalistas cultivem o espírito crítico e os políticos percebam que é preciso governar para mais de uma legislatura. A estrada é longa e o único veículo que temos à nossa disposição consiste em fomentar um debate sobre como vivemos hoje em Portugal, e como gostaríamos de viver amanhã. Não só de quatro em quatro anos, mas todos os dias.