“Nós não queremos quebrar as leis. Nós queremos fazer as leis”. Palavras da sufragista Emmeline Pankhurst ao tribunal, após ser detida pela sétima vez devido a protestos violentos. Pankhurst foi a fundadora da WSPU (Women’s Social and Political Union) e a cara da violência, do sangue e do sofrimento que marcaram a luta pelo direito ao voto feminino em Inglaterra. Depois de 15 anos de manifestações, detenções, condições muito precárias e até greves de fome, as sufragistas conseguiram garantir a participação das mulheres com mais de 30 anos nas eleições de 1918. Contudo, essa caminhada ficou gravemente manchada por relatos de agressões, alimentação forçada e abusos nas prisões e pela morte da activista Emily Davison, mártir do movimento.
Mas se em Inglaterra a primeira mulher a votar apenas conseguiu a sua grande vitória em 1918, anteriormente em Portugal, sete anos antes, Carolina Beatriz Ângelo tinha sido a primeira e única mulher a votar nas eleições, aproveitando uma falha na legislação portuguesa. O que a médica não sabia é que o partido em que ela votou, e que a própria contribuiu para que fosse eleito, tornaria ilegal o voto feminino e o poder de decisão política só seria devolvido às mulheres em 1975, após o 25 de Abril.
Nas primeiras eleições, a taxa de abstenção foi a mais baixa de sempre – 8,5% e, desde esse ano, que esse valor tem sido crescente, tendo chegado ao máximo histórico de 68,6% de abstenção nas eleições europeias deste ano. Parece consensual afirmar que votar é não só um direito, mas um dever cívico. Muitos consideram que não votar é ser criminoso, é ignorar o passado, é faltar ao respeito às sufragistas inglesas, aos militares do 25 de Abril, a Carolina Beatriz Ângelo ou até a Emily Davison, que deu a vida por esta causa. Contudo, na minha opinião, o problema é muito maior que isso.
A verdade é que os portugueses não acreditam no nosso sistema político actual. Num país onde a maior parte da população pode eleger um partido e este nem chegar a governar, substituído por “geringonças” e invenções que tal, torna-se complicado convencer os portugueses de que o seu voto daqui a quatro anos terá realmente feito qualquer tipo de diferença.
Num país onde as acções dos políticos nacionais são rigidamente limitadas por instituições europeias superiores, políticas comunitárias e outros interesses, torna-se realmente complicado convencer os portugueses de que o seu descanso semanal, junto da sua família e amigos, deve ser utilizado para eleger partidos e políticos cuja utilidade é para eles dúbia. E, acima de tudo, num país onde não há qualquer tipo de julgamento ou responsabilização para o bom ou mau desempenho dos políticos que ocupam os cargos públicos, que recebem os seus ordenados mensais quer façam bem ou mal o seu trabalho, não se torna só difícil, torna-se quase impossível convencer os portugueses de que estão a votar num sistema justo e sério.
Desta forma, pode ser uma falta de respeito ao passado não votar. Mas é ainda uma falta de respeito maior por nós próprios votar em algo em que não acreditamos. Assim, voto e votarei porque acredito na democracia e que este sistema político, embora com falhas, nos leva a ela. E embora gostasse que a taxa de abstenção diminuísse (votar em branco é uma excelente solução), é para mim indiscutível que há muito a mudar. Então digo, e volto a dizer, que, neste país livre em que vivemos, exercerei o direito a votar e espero que todos que não o queiram fazer exerçam o seu direito a não votar.