Uma eleição, que escolhas?
Nesta campanha não se falou de dívida pública, o elefante na sala, a única conta certa de Mário Centeno são os mais de 7 mil milhões de euros por ano em juros, quem a contraiu e porque é até hoje desconhecido dos portugueses – nunca houve uma auditoria à mesma
Gramsci distinguiu a pequena política da grande política. Pequena política seriam os longos debates sobre temas secundários, superficiais, recheados de linguagem técnica e desprezo pela estratégica. A grande política é o Estado, o regime, o lugar do país no sistema internacional de Estados, o quotidiano das suas populações.
Nesta campanha não se falou de dívida pública, o elefante na sala, a única conta certa de Mário Centeno são os mais de 7 mil milhões de euros por ano em juros, quem a contraiu e porque é até hoje desconhecido dos portugueses – nunca houve uma auditoria à mesma. Não se debateu a ausência de uma banca portuguesa robusta – hoje os investimentos portugueses estão dependentes da banca espanhola, que arrebatou o lado “bom” dos bancos; aqui ficaram os pedaços maus do bolo, as PPP, os aviões da TAP, as dívidas impagáveis do Metro, CP, etc... Não falámos da monocultura do turismo, baseada em low cost – restaurantes, hotéis e companhias aéreas de massas de má qualidade e baixo valor agregado, numa economia sem diversidade, vulnerável à próxima crise cíclica; o eucaliptal em que se transformou o país; e espetáculos pirotécnicos garantidos na famosa “época de fogos” onde já se anuncia o programa mínimo – “não morreu ninguém” – como programa máximo; a dependência alimentar estrutural; o vazio do interior; o adoecimento de trabalhadores exaustos e desmotivados, mal pagos e assediados, tudo isto acompanhado – oh surpresa! – da queda da produtividade; a desestruturação do SNS, cada vez mais um banco de formação para o sector privado, sector que mais além da saúde também são parte do mercado hoteleiro, distribuem dividendos aos acionistas; não debatemos o empobrecimento científico da escola, agora flexível, para servir força de trabalho flexível para este mercado subdesenvolvido – chamam-lhe “ensino profissional” e “autonomia; os melhores cientistas são recrutados e acarinhados pelas melhores universidades estrangeiras, cá ficam os bolseiros aos 50 anos ou desempregados; o país depende, talvez numa escala de meio milhão de pessoas (incluindo famílias), da montagem e não da produção (moldes, Autoeuropa, eletrónica, vidros, etc.) da indústria automóvel alemã. Quando esta despencar o que vamos fazer? As duas grandes cidades expulsaram os seus moradores para 30 km de distância. O Governo reagiu subsidiando o passe para todos os dias fazerem três horas de viagem para trabalharem – em uma hora chegam a qualquer cidade europeia para trabalharem por mais e melhor... Gostei da medida, sou a favor, mas é mais um passo em frente rumo ao precipício.
Hans Christian Anderson visitou Portugal no século XIX. Constatou que aqui o que mais se produzia para exportar eram homens. O único debate de grande política nesta campanha não foi sobre o Estado que queremos, foi sobre uma crise de Estado: Tancos.