Em Abreiro, todos os caminhos vão dar ao figo
Por estes dias, todos os olhos se viram para as figueiras de Abreiro, em Trás-os-Montes. O frenesim é intenso, porque o figo é aqui fonte de rendimento, além de mote para uma feira este fim-de-semana. A especialidade é o figo seco. E que tal um pão de figo?
No mês de Setembro, em Abreiro, as atenções da população estão concentradas nos figos, um produto muito querido da região. Há uma nova feira para realizar e a apanha do figo para se fazer, embora as colheitas já tenham começado em meados de Junho. Além de ter uma das maiores manchas de figueiras de Trás-os-Montes, esta localidade de Mirandela destaca-se pela tradição associada a esta cultura e pela Feira do Figo e do Património, que se realiza aqui pela sexta vez nos dias 21 e 22 de Setembro.
Todas as aldeias do concelho já tinham uma feira dedicada a um produto específico e a junta de freguesia local decidiu que um evento deste género seria o ideal para “a promoção dos figos e da própria aldeia”, como revelou à Fugas o presidente, José Fernandes.
O autarca crê que, de Abreiro, saiam anualmente, em média, cerca de “30 toneladas de figo” – isto, num ano bom –, com a venda garantida a comerciantes que se deslocam à aldeia para negociarem directamente com os produtores. Os comerciantes pagam dois euros por quilo, em média. “Não dá grande lucro”, queixa-se Maria Idalina Lima, uma das maiores produtoras da aldeia e que recebe a mesma quantia “há 11 anos”. “As jeiras [o salário diário] subiram”, mas o trabalho é o mesmo, explica, acrescentando que, caso tenha de contratar pessoas para a ajudar, o lucro ainda é menor.
“O dinheiro das vendas não é nenhuma riqueza, mas ajuda”, diz José Fernandes. São cerca de duas dezenas de produtores – que, “embora não tendo uma grande quantidade de figueiras”, colhem menos de uma tonelada de figos. Há ainda quem tenha as figueiras apenas para colheita própria, mas essas não são contabilizadas.
Este ano não é, contudo, o melhor exemplo. Como contou Idalina, “os figos foram criados sem água e não estão tão bons como nos outros anos”. “Se tivesse chovido, seriam melhores, maiores e teriam melhor qualidade”, diz a produtora, frisando que a ciência está em saber escolhê-los, o que por si só já dá “muito trabalho”. Apesar de existir “uma máquina de calibrar, que separa os figos mais pequenos dos maiores, o processo é essencialmente manual”.
No entanto, e para combater a seca, alguns dos maiores produtores de figos têm sistemas de rega gota-a-gota, que possibilitam uma maior e melhor qualidade dos figos colhidos, contrariamente ao sistema de rega tradicional, que conta apenas com a água das chuvas para irrigação das figueiras.
O figo é uma cultura complementar a outras com mais peso nesta região, como o azeite, a azeitona, a amêndoa, a uva e o mel. Porém, a importância que tem na economia desta aldeia, com pouco mais de 150 habitantes, reside na tradição e no facto de este ser um suplemento extra nesta altura do ano. Mas, na verdade, o que o distingue e caracteriza é habitual a excelência do solo e o clima quente do vale de Abreiro, revela José Fernandes.
O reino do figo seco
A família de Idalina e outras da aldeia são agora produtoras e ocupam os dias do mês de Setembro com a apanha e a secagem do figo. Quando o tempo está de feição, é possível fazer várias apanhas na mesma figueira. Este ano, “os figos amadureceram precocemente” e, como tal, há um visível sentimento de tristeza. “Sentimos que a nossa agricultura está pior a cada ano que passa”, desabafa Idalina, que vai, apesar de tudo, continuar na azáfama da secagem do figo – a tradição nesta aldeia não é consumir ou vender o fruto no seu estado natural, mas seco.
Assim, após ser colhido da figueira, inicia-se o processo de conservação, que passa pela secagem. O que dificulta, de facto, a vida aos produtores é o trabalho que têm a secá-los. “É um trabalho muito moroso. A gente apanha o figo na figueira, põe na estufa a secar e tem que lá ir todos os dias virar os figos, senão eles apodrecem”, conta Idalina Lima. Depois, os figos são escaldados em água a ferver “para se conservarem sem bicho” – que tem tendência a desenvolver-se neste fruto. De seguida, são abafados durante alguns dias com panos. “Depois ficam ao ar e são colocados numa caixa de papelão para começarem a criar o açúcar.” Isto porque, como revela a produtora, “a cobertura branca característica do figo seco não é farinha, como julgam muitos, mas o açúcar do próprio figo”.
Posteriormente, na venda ao público, o custo dos figos, geralmente, tem um valor mínimo de 3,50 euros, sendo que, em Mirandela, como explica o presidente da junta, “já estão a seis e a sete euros o quilo”.
Variedade de figos também não falta em Abreiro. Há de tudo, para todos os gostos: Tradicional (ou Nacional), Pingo de Mel (grande e pequeno), Preto, Bacorinho e “Três ao prato” (este nome advém do facto de serem grandes e de três conseguirem encher um prato). Tendo em conta a oferta existente, são vários os usos feitos pela população e os produtos que derivam deste fruto. “O figo, antigamente, não era tão aproveitado como é agora. Hoje em dia faz-se também o doce de figo (em compota, feito com figo e açúcar), aguardente de figo, bolo de figo (que se assemelha ao bolo de ananás), licor de figo (eu faço um que toda a gente adora e não fazia antes porque não se sabia o que poderia advir do figo), pão de figo, crocantes de figo (uma espécie de brigadeiro com amêndoa, figo, chocolate e açúcar) e licor de folha da figueira”, enumera Idalina.
Para Idalina, o licor de figo – feito como os restantes licores, “fervido em aguardente pura, açúcar e água” – “tem um sabor divinal”. “Dos licores que conheço, acho que o licor de figo é o mais saboroso”, realça. Já o autarca, por sua vez, enaltece o licor de folha de figueira, que passa exactamente pelo mesmo processo. Depois de apanhada a folha, que “deve estar ainda bastante verde”, esta deve ser colocada em aguardente. “Quanto mais tempo estiver a marinar, melhor”, elucida José Fernandes, para quem o licor “é uma maravilha”.
Neste sentido, a junta de freguesia pensou na feira para permitir aos produtores que vendam o figo a preços mais rentáveis do que os pagos pelos intermediários, bem como para darem a conhecer outros produtos da terra. Aliás, “as pessoas vêm propositadamente à feira para comprar os figos de Abreiro”, revelou José Fernandes. Também Idalina Lima considera que este “é um evento muito importante para a aldeia”: “Traz mais pessoas à região, reunimo-nos para dois dias de confraternização e vendemos os nossos produtos.” Para a produtora, o convívio é o mais importante, pelo que até “há quem guarde as férias para esta altura”. Mas há um senão: “Se não vierem pessoas de fora, esta região e as vizinhas [que também não são muito populosas] acabam por não vender muito, pois todos têm os seus próprios produtos.”
Pão de figo, a especialidade da Padaria Abreiro
Mário Telmo, de 60 anos, é padeiro nesta aldeia desde 1985. Começou a fazer pão de figo pois foi-lhe pedido que fizesse “algo que se relacionasse com a feira”. Tendo em conta o tema do evento e a importância que o figo tem na região, decidiu criar uma receita original. Após “várias experiências”, obteve o resultado desejado – um pão feito com trigo, centeio e pasta de figo seco. “Nem eu próprio esperava que ficasse tão bom”, diz, com satisfação, o único padeiro de Abreiro.
Vendido nesta época da feira, o pão de figo é feito com uma farinha de mistura, de trigo e centeio, à qual Mário Telmo incorporou “uma percentagem bastante elevada de pasta de figo”. Com “uma massa que tem um sabor bastante intenso a figo e onde se podem encontrar pedaços deste fruto mais inteiros, como se fosse uma pasta de bolo-rei”, a iguaria já “é uma atracção, despertando inclusivamente a curiosidade da população de outras regiões vizinhas e não só”. “Sai bastante bem”, declarou.
Apesar de não ser um produto de produção diária, a Padaria Abreiro aceita encomendas e faz, de vez em quando, sobretudo nas festas, o pão de figo. “Vende-se, mais ou menos, a 3 euros o quilo, pois o preço do pão de figo também não pode ser muito exagerado – a sua finalidade é a venda na feira e a divulgação desta tradição”, afirma Mário Telmo.
Para além do pão, Mário Telmo faz também bolos de figo, como é exemplo o folar. Contudo, “o [seu] forte é o fabrico de pão de quilo e meio para as alheiras de Mirandela”. “Nós vendemos cerca de mil pães por dia, uma vez que quanto maior for o pão, melhor é para o fabrico das alheiras”, rematou.
A feira do figo
É a VI Feira do Figo e do Património e realiza-se dias 21 e 22 de Setembro. Este ano, tal como nos anteriores, a festa promete animação na aldeia, sobretudo no domingo, com um passeio pedestre às 9h30 – o Trilho de Santa Catarina, um percurso com início e fim no Museu Dr. Adérito Lopes cuja finalidade é promover o figo –, uma arruada (11h) e a actuação musical do Grupo de Gaiteiros de Vale de Salgueiro (15h30). No sábado, para além dos expositores, os visitantes podem contar com a subida ao palco do grupo musical Sons do Arasto (21h30). Mais informações no Facebook.
Texto editado por Luís J. Santos
VI Feira do Figo e do Património
VI Feira do Figo e do Património