Ordem (sem Justiça)
No final de quatro anos em Direito, avizinha-se a escolha sobre o que fazer: tirar um mestrado, começar a trabalhar, ou atirar uma moeda ao ar e decidir seguir outra via profissional. O panorama não é o melhor, mas foi essa a escolha que milhares de jovens fizeram há quatro anos.
A cada ano que passa entram centenas de estudantes nas faculdades de Direito. Contabilizando as vagas nos sectores público e privado, facilmente alcançamos a casa do milhar de candidatos. Os primeiros quatro anos de curso são o início de um longo (e dispendioso) processo de formação superior. Entre livros cheios de pó e docentes que nem sempre estimulam o pensamento crítico, as faculdades de direito tornaram-se fábricas de produção massiva de futuros juristas.
No final de quatro anos avizinha-se a escolha sobre o que fazer: tirar um mestrado, começar a trabalhar, ou atirar uma moeda ao ar e decidir seguir outra via profissional. O panorama não é o melhor, mas foi essa a escolha que milhares de jovens fizeram há quatro anos.
Quem opta pela Advocacia vai, novamente, ao engano: um ano e meio de estágio, na maioria das vezes não remunerado. Após o pagamento de quase dois mil euros e um estágio de 18 meses, chega o momento do tão afamado exame de agregação: um demónio para qualquer candidato e que não raras vezes é apreciado por quem não tem competência para o efeito (caso contrário, a taxa de aprovação nos pedidos de revisão de nota não seria de quase 100%).
Os afortunados que conseguem ser bem-sucedidos recebem de imediato duas cartas: da Ordem dos Advogados, para procederem ao pagamento das quotas mensais no montante de 15 euros e da Caixa de Previdência, a solicitar o pagamento da primeira contribuição social na quantia de 57,55 euros. Se considerarmos que o rendimento médio de um advogado recém-agregado (excepção às grandes sociedades de advogados) é de 500 euros, estamos no bom caminho “senhor doutor”.
Entre impostos (25% de IRS e 23% de IVA), contribuições para a Caixa de Previdência e as quotas à ordem profissional que nos representa (das quais o advogado não obtém qualquer benefício), estamos no caminho certo para a escravização da profissão (liberal) mais apetecida no mercado universitário.
Advirto, desde já, que contra mim falo: após cinco anos de profissão e oito a olhar para leis, não voltaria atrás na escolha. Advirto, isso sim, que, para quem vem à procura de dinheiro e glória, não é certamente a escolha mais acertada. A advocacia perfilha a ordem necessária à manutenção do status quo do advogado: alguém que se considera intelectualmente superior e que de toga em riste se julga o super-homem na vida real.
Mas o respeitinho a uma Ordem que não se actualiza e não combate os maiores cancros da profissão, que conduzem à degradação do advogado e ao desaparecimento da palavra “liberal” da nossa honrosa profissão, não pode ser subalternizada pela Justiça que é, todos os dias, a nossa maior arma. Por entre as transversais que vão desembocar ao Marquês de Pombal, pela Avenida da Boavista que desemboca na Foz portuense, e até por cada esquina de um Portugal que advoga esquecido no Tribunal mais recôndito, existem problemas reais que precisam de ser combatidos.
A solução começa pela actualização do ensino universitário, avança pelo processo de ingresso na ordem profissional que nos representa e termina na conjugação e conciliação dos diferentes tipos de advocacia que se pratica e que cria diversas idiossincrasias.
Ordem sem Justiça é uma mão cheia de nada, que condena (sem contraditório) quem pretende partilhar os seus dias por entre corredores de tribunais ou pelos corredores de escritórios industriais. Quando tirarem a venda dos olhos e equilibrarem a balança, talvez voltemos a ter Justiça na ordem e não uma Ordem sem Justiça.