Desabafo de um jovem

Faz sentido gastar a minha idade de ouro atrás de uma secretária a salvaguardar um futuro em que não sei se acredito?

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Kyle Glenn/Unsplash

Tenho uma comichão que não passa. Há um ano e meio que não saio de Portugal. Há um ano e meio que não me meto num avião rumo a um país estrangeiro, de língua indecifrável e de paisagens desconhecidas. Quero tanto viajar e não posso. Há um horário de trabalho para cumprir, há uma tese por fazer. Opto por uma abordagem de gente crescida, ponderada, racional: o futuro antes do presente. Na balança cósmica das coisas, o longo-prazo pesa mais. Nova Iorque pode esperar, Buenos Aires fica para depois.

É um depois que se agiganta, que não me deixa dormir e que me faz reexaminar as minhas escolhas: faz sentido gastar a minha idade de ouro atrás de uma secretária a salvaguardar um futuro em que não sei se acredito?

David R. Scott, o sétimo astronauta a pisar a Lua, disse uma vez que “existe uma verdade fundamental na nossa natureza: o ser humano precisa de explorar”. É esta fome de querer descobrir e de querer aprender, de querer ver o que há para lá das nossas fronteiras, que faz com que a maioria dos jovens da minha idade esteja mais interessada em comprar um bilhete de avião do que em poupar dinheiro para comprar uma casa. A verdade é que somos a geração das experiências e, para nós, millennials ou geração Z, os hostels dão-nos mais conforto do que qualquer IKEA. É inebriante partilhar o pequeno-almoço com pessoas de todo o mundo, enquanto se trocam impressões das estradas que ficaram para trás e se planeia a rota dos próximos dias.

Ao contrário daquilo de que somos frequentemente acusados, temos objectivos bem definidos. Um deles é querer viajar. Possuímos uma curiosidade inesgotável por aquilo que é diferente e a missão dos nossos 20 anos é satisfazê-la. Contactar com idiomas novos, comparar costumes de outros povos, cheirar terras distantes ou ver paisagens radicalmente díspares das nossas fazem-nos sentir completos, vivos, e é nesses momentos que compreendemos que somos cidadãos do mundo. Quanto mais vezes atravessamos fronteiras, melhor percebemos que elas não passam de uma imposição humana. As nacionalidades são construções artificiais e, antes de sermos portugueses, espanhóis ou marroquinos, somos terráqueos. Essa é a razão principal pela qual acredito no projecto da União Europeia e tenho tanta dificuldade em compreender o “Brexit”.

A minha comichão é agravada pelo Verão desinteressante que atravesso. É o primeiro em que tenho de trabalhar integralmente. As redes sociais não ajudam. Os meus conhecidos escolheram todos esta hora para viajar. A Rita e a Inês estiveram na Ásia, a Sara viajou até à Patagónia e o António foi para o Japão. A minha irmã estuda no Uruguai, ao abrigo do programa Erasmus Mundus, e a minha prima escolheu Maastricht para fazer o mestrado. Afogo a minha inveja na Internet: uso o Meridiano de Greenwich para calcular diferenças horárias, meço distâncias no Google Maps e controlo o Skyscanner à procura da minha próxima aventura. No entanto, por agora, o meu mapa é Lisboa e o meu horizonte esbarra em sete colinas.

Quero ser pirata por um dia. Se tiver sorte, e os transportes públicos o permitirem, passo meia hora a olhar o Rio Tejo, a ver navios… Não me interpretem mal, Lisboa é uma cidade fantástica, com actividades estimulantes por descobrir em cada bairro, mas nem mesmo o Out Jazz e a Web Summit compensam as estepes da Mongólia ou o Outback australiano.

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