E se o SOL nascesse para todos?

Em pleno pico do Verão, com os portugueses a banhos nas praias e o Governo a intermediar a crise dos motoristas, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa lança o projeto SOL (Serviço Odontopediátrico de Lisboa) mantendo a sua missão com mais de 500 anos de história - servir os mais desprotegidos e vulneráveis -, mas que continua, e bem, a fazer jus ao seu lema de servir “por boas causas”.

É sem dúvida alguma que esta causa merece aplausos dos demais! 

Melhorar a saúde oral das crianças e jovens e reduzir a prevalência da cárie dentária, mitigando a tremenda falta de literacia e cuidados de saúde oral, traduzem-se numa necessidade que, apesar de muito apregoada, está longe de ser alcançada. Para tal ser conseguido, necessita de uma colaboração transversal entre os diferentes sectores - público, privado e social - e que vai além do documento e plano estratégico do Programa Nacional de promoção de Saúde Oral (PNPSO) que esteve em recente discussão pública.

Qual raio de luz e fonte de energia suprema, este projeto SOL só pode ser encarado como algo positivo e benéfico para a população infantil e juvenil que reside em Lisboa. Consubstancia-se em 700 mil euros de investimento pela SCML, traduzindo-se em 50 mil consultas direcionadas à área da Odontopediatria.

Mas o que este projeto também evidencia de uma forma muito clara, por um lado, a ausência de coordenação nas políticas de saúde oral em Portugal e, por outro lado, a total debilidade de todos os investimentos e programas existentes realizados pelo Estado. Senão, veja-se:

- O Serviço Odontopediátrico de Lisboa tem como único critério de admissão que os seus beneficiários tenham menos de 18 anos, residam ou estudem em Lisboa. Neste contexto, seria curioso saber qual o posicionamento dos recém-integrados Médicos Dentistas nos Centros de Saúde da capital?

- A gratuitidade plena deste projeto, incluindo “ricos e pobres; tanto faz”, como destacou o provedor da SCML nos meios de comunicação social, além de trazer falta de responsabilização e compromisso aos atos médicos e dentários por parte destes futuros utentes, desmascara e envergonha por completo as taxas moderadoras cobradas nas consultas de saúde oral no SNS.

Pena também foi não se ter vislumbrado nenhuma reação pública por parte da Ordem dos Médicos Dentistas ou até mesmo do prometido colégio de especialidade de Odontopediatria acerca deste projeto. Pois se o princípio do direito universal à saúde oral existe, existe também o princípio da equidade dentro dos projetos sociais ou de saúde que são lançados em Portugal e que não podem ficar confinados apenas a uma região do território.

Compreendemos hoje perfeitamente que após o devastador terramoto de 1755 sobre Lisboa, a rainha D. Maria I, encontrasse razão para conceder a exploração da Lotaria Nacional a uma Santa Casa que tinha um desígnio de elevadas responsabilidades sociais. Contudo, não se entende que passados quase 300 anos, o somatório das receitas dos jogos sociais reverta para uns, numa discrepância nada solidária para com o resto do País - nem mesmo a sua substituição ao Estado na área da Segurança Social na cidade de Lisboa faz atenuar este privilégio exclusivo dos lisboetas. 

Não é só por ser Verão que seria bom que o Sol em Portugal pudesse nascer igual para todos!

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