Precisamos de tempo, Manel. Precisamos de sentir a ausência do vazio para agarrar com toda a força o nosso corpo que é vosso, Ornatos Violeta. Ontem, no Marés Vivas, sentiram a nossa pertença?
Queria ter escrito estas palavras antes de vos rever, queria escrever ad nauseam nas ruas do nosso Porto a poesia de um cão, ainda que em 2019 se celebre O Monstro Precisa de Amigos. Na semana passada, saí à rua de caderno em riste, playlist a rigor e fui comprar uns vinis. Debati o vosso legado na música portuguesa, mesmo com quem acha que vocês criaram bandas ocas. E é certo: desde os 90s que tantas e tantas bandas quiseram ser os Ornatos Violeta, mas, como se confirmou ontem, Manel, só existem vocês.
Como viste, Manel, não conseguimos deixar o amor morrer. Ficamos com o travo amargo da melancolia e os teus olhos verdes-água, bem como a tua entrega visceral, testemunharam como as palavras são eternas, como aprender um poema é alojá-lo no coração da memória e como aprender uma letra tua, Manel, é ver o que não está lá e sentir a chaga.
Ontem, com cheiro a maresia, fomos todos poetas da produção do esquecimento, em pleno coito exclamativo e suado. Foi tão bom para vocês como foi para nós?
Podemos falar desse regresso a Casa, podemos falar da intergeração que se uniu e que se unirá sempre em vosso redor, mas o que importa ressalvar, Manel, é o conceito de família. “Foda-se, caralho”, não há família como a nossa, Manel. Somos intemporais, como a vossa música; somos carnais, como a vossa entrega; temos o Sangue Oculto dos GNR que alarda a pronúncia do norte como vocês, Ornatos.
Sentir arrepios no corpo, Manel; sentir a catarse prestes a soltar-se e uma lágrima que não quer sair é fazer uso da nossa humanidade. Ornatos Violeta é podermos ser animais e humanos concomitantemente, em qualquer idade. Ornatos Violeta é saber que Punk Moda Funk não é vaidade, mas sim um estilo de vida.
E no fundo, como tu dizes, Manel: “O amor é isto e nada mais”. Obrigada.