SNS: Obrigação de toda a esquerda
Arnaut era um homem de convicções, firme nos seus princípios, mas nunca foi sectário. Por isso disse: “O SNS é do povo, é uma exigência ética de civilização”.
Não vale a pena evocar o nome de António Arnaut e não encontrar soluções para o que para ele era a prioridade das prioridades: a aprovação de uma nova Lei de Bases de Saúde que substitua a Lei 48/90 e recupere os valores de solidariedade, dignidade cívica e, sobretudo, transparência, que inspiraram a lei fundadora do SNS, a Lei 56/79. Como ele sublinhou no livro “Salvar o SNS”, obra sua e de João Semedo que tive a honra de apresentar, “perdeu-se muito tempo e muita energia em lutas partidárias.” Arnaut era um homem de convicções, firme nos seus princípios, mas nunca foi sectário. Por isso disse: “O SNS é do povo, é uma exigência ética de civilização”.
Criaram-se grandes expectativas. Não se compreende que por qualquer espécie de capricho ou enquistamento ideológico se perca a oportunidade histórica de uma nova Lei de Bases que substitua a Lei 48/90, cujo objectivo, sempre assumido pela direita neo-liberal, foi o de reduzir o SNS a um serviço público de saúde caritativo. É isto que está em causa. A não aprovação de uma nova lei de bases será uma derrota de todos os partidos que têm apoiado esta solução governativa. Ninguém ganha à custa de ninguém. Perdem todos. Perde o SNS. E perde o país.
Não sei o que, neste momento, está encravado. Sei que é preciso desbloquear, de acordo com o artigo 64 da Constituição.
Retomo Arnaut: “O SNS pode coexistir com actividades privadas, cujo contributo sempre reconheci desde que reguladas e fiscalizadas pelo Estado. Mas o SNS deve continuar a ser predominante na prestação de cuidados de saúde a todos os cidadãos. O Estado não deve demitir-se dessa verdadeira função de soberania”.
Tal só será possível com o aumento do financiamento e com carreiras profissionais que garantam a todos os agentes de saúde estabilidade e progressão segundo critérios de meritocracia. Só uma remuneração condigna pode preservar os melhores e impedir os mais novos de ingressar no privado. Sem profissionais motivados e respeitados não há SNS digno desse nome.
Creio que, além destes pressupostos, o essencial é a transparência. Respeitando a existência do sector privado e o princípio da complementaridade ditada pela necessidade, é imperioso que os partidos de esquerda encontrem uma fórmula capaz de concretizar um princípio simples e claro: os estabelecimentos do SNS devem ter uma gestão pública.
Não posso falar por António Arnaut. Falo por mim. Com a certeza de que estaríamos de acordo e de que há muita gente à espera que as forças de esquerda, a começar pelo PS, cumpram a sua obrigação.