Uma Torre em cada Bairro
A aprovação do projeto do chamado “quarteirão da Portugália” iria abrir um precedente que poderia resultar em novas construções em altura em zonas da cidade de Lisboa onde estas não existem.
Depois do programa “Uma Praça em cada Bairro”, a CML deveria ponderar o lançamento do programa “Uma Torre em cada Bairro”. E porquê? Porque a aprovação do projeto do chamado “quarteirão da Portugália” iria abrir um precedente que poderia resultar em novas construções em altura em zonas da cidade de Lisboa onde estas não existem.
O problema não é a construção em altura, que sempre deu grandes debates em Lisboa, mas o local dessas construções e o seu enquadramento com a envolvente, nomeadamente a morfologia urbana, volumetria e outras características que definem determinada zona da cidade. E que a definem tal como a conhecemos. No caso concreto do “quarteirão da Portugália”, a proposta permeabilidade pedonal do quarteirão não compensa o impacte visual do edifício com maior altura, já que um dos edifícios projetado ultrapassa largamente a altura média das fachadas da zona, desrespeitando os sistemas de vistas definidos no PDM. A questão de pontuar o enfiamento do eixo urbano deve igualmente ser melhor ponderada, tanto mais que fere igualmente as vistas dos miradouros do Monte Agudo e Penha de França.
O “quarteirão da Portugália” na Av. Almirante Reis exemplifica também o possível lado perverso e exagerado da utilização dos créditos de construção (CC). Os CC estão previstos no PDM de Lisboa e em Regulamento Municipal e pretendem atingir objetivos como são exemplo a oferta suplementar de estacionamento para residentes, ou a integração de conceitos bioclimáticos e de eficiência energética nos edifícios. Mas há diversas questões necessárias a salvaguardar. Nos casos em que estejamos perante a densificação do tecido urbano é também fundamental prever o impacte nas infraestruturas, sejam viárias, de saneamento, etc. Em caso de necessidade de reforço das mesmas, quem as irá financiar?
A aplicação dos CC no “quarteirão da Portugália” significaria um acréscimo de cerca de 61% de Área de Construção relativamente ao que o PDM permite. Este aumento parece desajustado e desproporcional. Mesmo tendo presente os benefícios de mais estacionamento para residentes, esta proposta parece dissonante e desenquadrada.
Há genericamente três maneiras de beneficiar dos CC, seguindo o regulamento específico: obtendo e concretizando no local do projeto (como é o caso do “Quarteirão da Portugália”); ou utilizando num determinado projeto os CC obtidos noutro(s) projetos/locais da cidade; ou simplesmente adquirindo os CC no mercado, que é livre, não estando assim definido preço por metro quadrado para a transação. Existe assim o risco de um mercado secundário de CC e de especulação à volta dos mesmos. Não estando definido um tecto máximo dos metros quadrados de Área de Construção a atribuir por via dos CC em toda a cidade, é possível gerar-se um excedente relevante de metros quadrados resultantes dos CC por aplicar na cidade de Lisboa. Como tal, são necessários limites máximos ao adicional de área de construção atribuída pelos CC, bem como melhorar os critérios.
Tendo em conta que a aplicação dos CC é permitida em boa parte da cidade, a possibilidade de novas construções em altura em diversas zonas da cidade de Lisboa é real, pondo em risco a manutenção das caraterísticas que definem os bairros de Lisboa. Fica então lançado o mote para o programa “Uma Torre em cada Bairro”.
Estas observações não são novas, já que desde 2012 as refiro. Decorridos vários anos da entrada em vigor do regulamento referente aos CC, urge monitorizar e analisar o que tem sido a sua aplicação. Como tal seria útil e interessante serem públicos os dados da aplicação dos CC, de forma a permitir uma ponderação e possíveis ajustes a este regime.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico