Para onde vão as empresas?
É fundamental que seja encontrado o equilíbrio certo entre empresas simples e complexas, num momento em que a internacionalização se faz pela participação em cadeias de valor crescentemente globais.
Dados da Central de Balanços do Banco de Portugal revelam que, entre 2014 e 2017, a remuneração média do capital investido nas empresas aumentou dois pontos percentuais, de 5 para 7%. Os avanços reflectem uma melhor utilização dos ativos – uma maior racionalização na gestão de capital circulante e equipamentos – e ganhos de eficiência operacional – com destaque para a redução dos custos de exploração.
Durante este período, segundo o INE, a produtividade do trabalho manteve-se estagnada, sugerindo que a melhoria se ficou a dever, mais à redução dos custos de produção, que a ganhos de competitividade ancorados em novos investimentos de capacidade e modelos de negócio de maior valor acrescentado. A sua sustentabilidade e aptidão para projetar um ciclo de crescimento económico sólido é questionável.
A distribuição de rendibilidades do capital investido, caracterizada por uma mediana inferior à média, evidencia, ao mesmo tempo, uma estrutura empresarial dualista. Unidades inovadoras, competitivas e com sentido e visão estratégica coexistem com modelos de negócio assentes em processos produtivos simples e com reduzido valor acrescentado. Este artigo trata, especialmente, daquelas que se situam abaixo da mediana, agregando um conjunto de explicações e explorando caminhos para que a dualidade observada – e que não reflete a tradicional distinção entre grandes e pequenos ou entre sectores de atividade – possa ser mitigada e substituída por um processo de convergência, em que a metade inferior se aproxima da excelência do topo. Embora sem dados regionalizados, parece-nos que a Região do Norte é o espaço, por excelência, em que esta análise se aplica.
Numa análise fina, 30% das PME em Portugal apresentam uma rendibilidade do capital – medida pelo rácio entre EBIT e ativo de exploração – inferior a 4,5%, insuficiente, mesmo num contexto de baixas taxas de juro, para a reposição da capacidade produtiva. Por contraste, para 30% das empresas o investimento aufere um rendimento que ultrapassa os 14%. Não obstante divergências entre sectores de atividade, o padrão repete-se, transversalmente, em todo o tecido produtivo, quer seja de base industrial ou de serviços.
Para grande número de empresas, a taxa de remuneração do capital é baixa. Tributárias de taxas de juro anormalmente baixas, sobrevivem no fio da navalha. Incapazes de fazer assentar a competitividade em aumentos de produtividade real dos factores, a sua continuidade está intimamente ligada à manutenção de condições favoráveis no acesso ao crédito, sem que os seus proprietários – na esmagadora maioria sócios-gestores – sejam, ou possam sequer sê-lo, exigentes quanto à remuneração e ao risco do seu investimento pessoal.
A fragilidade destas empresas tende a acentuar o carácter dual do tecido produtivo, agravando os fatores de risco da economia portuguesa em duas dimensões: primeiro, nas dificuldades de acesso a crédito no novo quadro regulatório em que operam os bancos − privilegiando a sustentabilidade dos modelos de negócio em detrimento do valor patrimonial − e, segundo, na estagnação do resultado operacional – reflexo da baixa produtividade – que, por relação com o capital empregue, pouco ou nada mudou desde a última crise, como se a inovação teimasse em não ocorrer, ou em não produzir os resultados desejados.
É muito provável que a fragmentação seja uma resposta endógena a um quadro institucional – ao qual, seguramente, a legislação laboral não é totalmente alheia, mas cuja importância é talvez exagerada – que incentiva a procura de soluções produtivas que maximizam flexibilidade na gestão e favorece formas alternativas de remuneração dos factores produtivos, com o trabalho à cabeça.
Não dispondo de evidência, resta-nos a conjetura de uma tese, com as empresas a funcionar em “grupo fechado” e articuladas em torno de uma unidade agregadora – como se de uma estrutura de holding se tratasse – com modelos de negócio simples e sem complexidade. A “organização industrial” pode explicar a complementaridade e, até, a indispensabilidade das estruturas duais, em que preponderam empresas muito pequenas, articuladas como uma ampla rede logística através do mercado, em detrimento de modelos de gestão complexos e sofisticados, nas quais o conhecimento colectivo – e não do indivíduo isolado – é fator de avanço e inovação.
Numa análise não estruturada, as empresas não parecem crescer em atividades produtivas relacionadas que capitalizam o conhecimento de excelência acumulado e lhes permitiria entrar em novas cadeias de valor, diversificando a produção e disputando um lugar cimeiro numa economia de produção globalizada. Ao invés, por norma, observam-se comportamentos de crescimento por integração vertical quando, não menos frequente, em áreas completamente distintas, como se uma diversificação financeira de risco do investimento se tratasse.
Muito provavelmente, como mera hipótese de trabalho, a excessiva identificação entre gestores e proprietários enviesa as escolhas empresariais, privilegiando uma estratégica de redução do risco – leia-se protecção do património – em detrimento da rendibilidade, por desconhecimento e, também, por falta de meios que facilitem a separação. Em certo sentido, são factores institucionais que, subordinando a gestão e a propriedade aos mesmos objectivos, resultam em empresas com horizontes curtos em consonância com vários estudos como os do World Management Survey, Fundo Monetário Internacional e, até, INE.
Se, à primeira vista, as dualidades revelam as fraquezas e as ameaças a que se encontra exposta a produção de bens e serviços em Portugal, estamos em crer que o capital de conhecimento acumulado na gestão e coordenação de processos produtivos através dos mercados é uma potencial vantagem coletiva, que as novas tecnologias de informação e comunicação nos permitirão capitalizar. É fundamental que seja encontrado o equilíbrio certo entre empresas simples e complexas, num momento em que a internacionalização se faz pela participação em cadeias de valor crescentemente globais, em que a distância geográfica – ou seja, a conectividade – permanece como fator de atrito ao comércio internacional. É este o desafio e o espaço do debate! Católica Porto Business School
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
Esta quinta-feira, a partir das 21h30, no Auditório Carvalho Guerra da Universidade Católica do Porto, Fernando Freire de Sousa (presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte) e Luís Reis (CEO da Sonae Financial Services) debatem o tema “Por onde vai a economia do Porto”. Esta conferência do ciclo Olhares Cruzados, organizado pelo PÚBLICO e pela Católica do Porto, será moderada por Manuel Carvalho, director do PÚBLICO.