O facilitismo chega às licenciaturas!
A proposta do Governo vai alimentar licenciaturas de má qualidade e imprestáveis no mercado de emprego.
A imprensa tem dado eco à inovação proposta pelo Governo para uma nova via verde de acesso a licenciaturas: anuncia-se que “o acesso ao superior já não implica exames”! Seria injusto, dizem, exigir aos alunos da via profissional exames de disciplinas que eles não tiveram. Como estes alunos optaram por um caminho que lhes dá acesso imediato à vida ativa, mas não lhes dá os conhecimentos básicos necessários para o ensino superior, opta-se por lhes oferecer uma porta alternativa onde esse desconhecimento será escondido: um concurso local que torna esta realidade invisível.
O critério de acesso deve ser a avaliação do potencial do candidato para ter sucesso no curso a que se propõem. A utilização dos resultados de uma via académica do secundário é a base da decisão em quase todos os países europeus. As classificações obtidas são uma medida imperfeita do potencial, mas não há melhor. Nos Estados Unidos, onde não há um currículo nacional único, a alternativa usada na admissão ao ensino superior é um teste geral (menos dependente de conhecimentos curriculares concretos) a que milhões de jovens se submetem anualmente. Uma avaliação local, caso a caso, é feita em muitas universidades como complemento àquele filtro inicial, mas com críticas frequentes de favorecimento a determinados candidatos ou grupos de candidatos. Exames de entrada específicos para os cursos mais competitivos também se tornaram mais comuns nos últimos anos.
O outro grande argumento é o atraso na taxa de qualificação dos portugueses residentes na faixa dos 30 a 34 anos, mas esconde-se que este atraso está a ser deprimido pela emigração dos graduados e os números apresentados não dizem a verdade toda. O senhor primeiro-ministro dizia há dias que não queria que todos os portugueses fossem doutores ou engenheiros, mas não é esta a política do seu Governo. Pelos últimos números (2018, provisório), Portugal terá 33,1% dos jovens de 30 a 34 anos com uma licenciatura. (Não há ainda diplomados de ciclos curtos elegíveis para esta contagem nos 30 a 34 anos.) Comparemos com os nossos vizinhos: em Espanha, a taxa de diplomados é de 41,9%, mas apenas 28% com uma licenciatura. Os outros 14% têm um diploma profissional superior equivalente ao nosso TeSP, Técnico Superior Profissional. Em França, 45,5% têm um diploma, mas apenas 32% saem do sistema educativo com licenciatura, enquanto que 13% obtêm o equivalente a um TeSP. E note-se que, quer em Espanha, quer em França, a transição do ciclo curto para a licenciatura é possível, mas pouco frequente e difícil, muito mais difícil do que em Portugal.
A preocupação política nestes países é atenuar a frustração dos jovens licenciados que estão desempregados, subempregados ou só encontram emprego em área distante da sua formação. Como estes cursos mais curtos têm melhor empregabilidade do que muitas licenciaturas, a política oficial é aumentar a frequência destes ciclos curtos. Assim foi definido há dias pelo Presidente Macron na sua conferência de imprensa de conclusão do debate nacional de resposta à crise dos coletes amarelos. Também o ministro inglês do Ensino Superior explicava recentemente a elevada taxa de subemprego de licenciados com a dificuldade de a economia criar suficientes empregos de alta qualificação nos últimos dez anos. E definiu já a localização de 12 Institutos de Tecnologia com a oposição a criticar pela insuficiência da proposta. Esta nova rede de instituições fora já anunciada em 2016 com o objetivo de oferecer formação até ao nível 5, equivalente aos TeSP.
O Governo adota agora a medida errada. A proposta do Governo é esvaziar os cursos de TeSP para alimentar licenciaturas de má qualidade e imprestáveis no mercado de emprego.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico