Mó: por uma (micro)política pública de paisagem?

Hoje, no interior de Portugal e alhures, a destruição das paisagens ocorre rapidamente. É, por isso, essencial dar espaço a um pensamento divergente, que possibilite um entendimento do tempo lento das paisagens e dos processos culturais de que são resultado.

Paisagem, ruralidade e futuro são categorias imbricadas nas encruzilhadas de muitos lugares despovoados de Portugal. A aldeia de Mó, em Proença-a-Nova, é um desses lugares. Nos incêndios de agosto de 2003, que destruíram quase toda a paisagem contígua à aldeia, só as oliveiras centenárias resistiram às chamas, dispostas em socalcos, sobre muros de xisto. Os moradores ficaram isolados durante dias, sem electricidade nem comunicações, e viram arder os seus pinhais e eucaliptais. O cheiro a terra e árvores queimadas persistiu até às primeiras chuvas desse ano. Nas primaveras seguintes, entre pinheiros retorcidos, a natureza e a população repovoariam o território com pinheiros, eucaliptos, oliveiras e medronheiros.

No verão de 2017, a Mó foi poupada aos incêndios, só porque o vento mudou de direcção e o fogo seguiu o seu caminho destrutivo para as aldeias vizinhas. Mas a inevitabilidade do regresso do fogo é uma das certezas dos moradores. O que fazer para defender esta e outras aldeias e promover uma gestão integrada dos territórios? E como promover políticas públicas de preservação da paisagem em tempos de transformações multivariadas do usos dos espaços rurais?

Na Mó, está em curso um processo de organização colectiva. Na tarde de 16 de março de 2019, no largo junto ao forno comunitário da aldeia, teve lugar uma reunião de caráter civil. Os proprietários do lugar reuniram-se para discutirem o futuro do território que envolve a sua aldeia e apreciar um projeto de uma cintura verde, nos primeiros cem metros circundantes da aldeia. A mobilização dos proprietários partiu de uma reunião prévia, promovida pela Câmara Municipal de Proença-a-Nova, juntamente com o agrupamento de Freguesias do Alvito da Beira e Sobreira Formosa, em fevereiro último. Foram os proprietários de terrenos obrigados a promoverem a limpeza dos terrenos florestais, com vista à prevenção de fogos florestais, que, nessa ocasião, lançaram as bases de um projeto de prevenção de risco de incêndio, contemplando a reversão de áreas de floresta em áreas de agricultura, nos cem metros que circundam as aldeias participantes, que manifestassem interesse após a adequação dos seus terrenos.

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Reunião a 16 de Março no largo junto ao forno comunitário de Mó Ricardo S. de Campos

Os resultados desta acção colectiva são ainda invisíveis. Para já, os moradores e proprietários da Mó já limparam ou limpam os seus terrenos. Depois, certamente avançarão para uma acção de gestão integrada da área envolvente à aldeia. Subjaz ao processo em curso o interesse colectivo na preservação da paisagem envolvente.

Hoje, no interior de Portugal e alhures, a destruição das paisagens ocorre rapidamente. É, por isso, essencial dar espaço a um pensamento divergente, que possibilite um entendimento do tempo lento das paisagens e dos processos culturais de que são resultado. São os estudantes de arquitectura paisagista quem está particularmente talhado para tanto: porque pensam e projectam com a natureza, e não apenas para hoje, antes para o tempo longo dos processos sociais. Sabem, como Eugénio de Andrade, que “um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo”. E, com eles, acreditamos que isso (ainda) é possível.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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