Em prol do Desenvolvimento do Ensino a Distância. As Universidades em mudança
A língua portuguesa tem três particípios futuros: futuro, nascituro e conceturo. É tempo de lhe acrescentarmos um quarto particípio futuro, a que chamamos “formaturo”, ou seja, “aquele que deve ser formado”.
O princípio de transformação, como chave de interpretação da realidade, é o imperativo categórico da Universidade Aberta. Ainda esta era só um projeto na mente do seu primeiro Reitor, o Prof. Armando Rocha-Trindade, e já estava em transformação, como forma de responder às necessidades do país.
Em 1988, passou a ser uma universidade autónoma, mas diferente de todas as outras instituições de ensino superior e capaz de colaborar com elas. Que outra universidade seria capaz de o fazer?
Em 2018, no âmbito das celebrações dos 30 anos da Universidade Aberta, Maria Isabel João [1] publicou uma história breve da instituição, onde descreve o processo da sua criação e afirmação. Trata-se de um processo com várias fases, caracterizadas por dificuldades, mas também por avanços, com objetivos estratégicos muito claros. Não por acaso o livro referencia algumas obras de Hermano Carmo, incluindo a sua tese de doutoramento, sobre modelos e processos de ensino a distância no mundo, porque desde o início a Universidade Aberta apostou na investigação na área do ensino a distância. Estamos ainda a falar do primeiro doutorado pela Universidade Aberta, que hoje é professor catedrático da Universidade de Lisboa, mas que continua a colaborar intensamente com a Universidade Aberta.
No livro de Maria Isabel João existe uma fotografia, relativa à sessão de abertura do 1.º ano letivo da Universidade Aberta, em 1989, em que discursa o ministro da Educação à época. Falamos de Roberto Carneiro, que, em 1988, criou a instituição, interpretando o que se passava no mundo e, em particular, na Comunidade Europeia, e que veio à Universidade Aberta falar do futuro e pedir colaboração.
Por encomenda do Ministério da Educação, em cumprimento do previsto no decreto-lei n.º 278/88, de 19 de agosto, o primeiro curso da Universidade Aberta teve início em fevereiro de 1990, tendo como destinatários professores do ensino preparatório e secundário sem formação suficiente. Foram milhares os professores formados pela Universidade Aberta em poucos anos. Quando, em 15 de junho de 1993, o então Presidente da República, Mário Soares, participou na Sessão Solene do Dia da Universidade Aberta, foram muitos os estudantes que receberam os primeiros diplomas de conclusão dos cursos, uma parte dos quais pela mão do próprio Presidente, o que muito o impressionou.
Do que dissemos decorrem dois factos importantes: que a Universidade Aberta nasceu de um consenso do Presidente da República com o Governo e os partidos políticos, superando as dificuldades surgidas, em nome do interesse nacional; e que a instituição foi vista pelo poder político como um instrumento ao serviço tanto da formação dos portugueses como da promoção da língua e cultura portuguesas no mundo. Isso mesmo referia o decreto-lei n.º 44/88, de 2 de dezembro, que criou a Universidade Aberta, o que foi reforçado nos dois momentos que referimos.
Na sessão solene de 15 de junho de 1993, o Reitor Armando Rocha Trindade destacou a importância do impulso europeu na criação da instituição. Já em 1987 o Parlamento europeu tinha aprovado uma recomendação nesse sentido e fora criada a Associação Europeia de Universidades de Ensino a Distância (EADTU). Em 1993, o artigo 126.º do Tratado de União Europeia consagrou a aposta no ensino a distância, no quadro de uma estratégia europeia para o desenvolvimento. Esse mesmo ponto foi destacado pelo Professor Carrilho Ribeiro na sua oração de sapiência, que enunciou como razões para a criação da Universidade Aberta necessidades de contexto, os objetivos de desenvolvimento do país e a necessidade de haver orientações claras sobre o futuro da educação em Portugal, dizendo que já estávamos no futuro e que era necessário escolher entre cenários alternativos.
Com a autoridade de quem decidira a entrada de Portugal nas Comunidades Europeias contra a opinião dos céticos do regime, Mário Soares elogiou a solidez dos discursos, agradeceu a presença de reitores e embaixadores e disse: “Sempre fui um defensor do ensino a distância. É uma arma que deve ser utilizada por aqueles que querem o desenvolvimento do país [e estabelecer a] a cooperação com os países de língua portuguesa”.
Entretanto o mundo mudou muito. Atuando em espaços de crescente liberdade de circulação dos fatores produtivos, alguns dos quais imateriais, como é o caso da informação, na Universidade Aberta, sabemos que é necessário aprofundar, permanentemente, a realidade que somos, como universidade pública portuguesa de ensino a distância e em rede.
Pensamos a realidade segundo um paradigma de mudança também porque termos a consciência de que o séc. XXI constitui uma rutura em relação ao séc. XX. Muito do que então se disse é irremediavelmente passado, não sendo possível, nem desejável, voltar a esse tempo. Thomas Friedman, na sua “Breve História do Séc. XXI”, de 2005, escreveu que “o mundo é plano” (aliás, este é o título principal do livro). Embora com limitações, esta tese tem poder explicativo, no que se refere ao uso das novas tecnologias e pedagogias em educação, bem patente no facto de hoje ser muito mais fácil comunicar.
Colombo descobriu que o mundo era redondo cometendo um erro; mais inspiradora é a chegada à Índia por mar, dado que foi a concretização de um caminho previamente delineado e largamente imaginado.
Às universidades está hoje reservado um novo exercício de funções, de cujos resultados está dependente o futuro dos países. Em Portugal, essas funções são materialmente de soberania, por causa da utilização da língua portuguesa.
Em 2007, o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) abriu novas possibilidades de organização e cooperação entre os atores, com o objetivo de aumentar a eficiência do sistema. Nessa altura, o Governo destacou a necessidade de aumentar substancialmente a médio e longo prazo a oferta de formação a distância em Portugal, como uma prioridade estratégica ao serviço do aumento das qualificações dos portugueses.
No dia 10 de julho de 2009, foi apresentado publicamente o relatório Reforming Distance Learning Higher Education in Portugal, encomendado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a um painel de especialistas internacionais. Aí se salienta o sucesso da Universidade Aberta na adoção de novas abordagens pedagógicas de ensino a distância, atribuindo-se-lhe um papel crucial no desenvolvimento deste setor em Portugal, por ter o maior número de especialistas na área. O documento, que analisava o ensino a distância em Portugal e identificava o potencial deste para a expansão dos estudos universitários no país, apontava, contudo, um atraso face a outros países da Europa, que pouco se alterou nos últimos 10 anos, sobretudo pelo não investimento na área, já que este tipo de ensino representa apenas 3% do ensino superior nacional, sendo que mais de 90% das atividades estão a cargo da Universidade Aberta.
Já nessa altura, os especialistas consultados recomendavam que o ensino a distância em Portugal deveria crescer cinco a dez vezes, num período de cinco anos, tendo em conta as suas vantagens comparativas na qualificação de populações já em contextos de trabalho e a adequada correspondência à Aprendizagem ao Longo da Vida.
Os peritos da OCDE indicaram medidas concretas e aconselharam o aumento do financiamento público do ensino a distância e o aumento da investigação na área; o apoio do setor privado; o estabelecimento de consórcios entre as instituições de ensino superior, para aumentar, diversificar, qualificar e credibilizar a oferta pedagógica em ensino a distância, a nível nacional e internacional; e a apropriada formação e compensação de tutores e de docentes.
Ainda no que dizia respeito ao financiamento, referindo-se ao caso particular da Universidade Aberta, os peritos sugeriram que a dotação orçamental atribuída anualmente a esta instituição deveria ser ajustada às especificidades do ensino a distância, nomeadamente aos custos de desenvolvimento de programas.
Que pensa e que quer a Universidade Aberta, como universidade pública e autónoma? Esta é a pergunta que fazemos todos os dias. No exercício das nossas funções, verificamos que foram muito profundas e que são irreversíveis as mudanças dos últimos anos. Quando olhamos, por exemplo, para a adequação dos cursos da Universidade Aberta às regras de Bolonha, feita há alguns anos, não podemos deixar de nos espantar com o trabalho de “engenharia curricular” feito, que contou com o trabalho de todos na instituição. Hoje é preciso que o sistema satisfaça as necessidades de formação dos destinatários, que também mudaram e que na Universidade Aberta assumem particular fisionomia. Sabemos que é fundamental introduzir os estudantes no trabalho e que ensino a distância e online, pelas metodologias que utiliza, é um instrumento poderoso. Além disso, há que aumentar não só o número, mas as competências dos nossos estudantes em contexto laboral, através de formas flexíveis, conferentes e não conferentes de grau, sabendo que a maior parte está empregada. Falamos da aprendizagem ao longo da vida (ALV), que engloba tanto as formas tradicionais de graduação como formas novas.
A língua portuguesa tem três particípios futuros: futuro, nascituro e conceturo. É tempo de lhe acrescentarmos um quarto particípio futuro, a que chamamos “formaturo”, ou seja, “aquele que deve ser formado”. A questão que se põe é a de saber por quem, como e para quê devem as pessoas ser formadas. O quadro regulador da atividade das instituições de ensino superior mudou e continuará a mudar, o que implica uma nova compreensão de temas básicos das sociedades contemporâneas, como é o caso de saber como poderemos ser bons profissionais e cidadãos no séc. XXI.
Todos nos lembramos que em 2007 o RJIES estabeleceu a obrigatoriedade de as instituições do ensino superior procederem à alteração dos seus estatutos. Participámos ativamente nesse processo ajudando a criar estatutos inovadores e adequados às necessidades. Além disso, procedeu-se à reorganização dos serviços, bem como dos modos de interação entre os órgãos. Mas o processo de modernização não acabou.
Após a aprovação do RJIES, entrou em vigor o novo Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) e vários outros diplomas legais. E agora esperamos a entrada em vigor do decreto-lei que regula o ensino ministrado a distância, que também exigirá transformações, para as quais estamos preparados.
Estes são os nossos trabalhos, que se inscrevem na estratégia oportunamente definida pela Universidade Aberta e que visam a construção de uma Universidade para o séc. XXI, ao serviço do país.
[1] Maria Isabel João, A fundação da Universidade Aberta (1988-1994). Disponível em linha. Ver: http://portal.uab.pt/wp-content/uploads/2018/12/A-Funda%C3%A7%C3%A3o-da-Universidade-Aberta-1988-1994.pdf
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico