Antes o partido que o país, uma lógica de remodelação
O alcance das mudanças no Governo, protagonizadas por António Costa, não traduzem a lógica do bom governo mas a mera conservação do poder.
O valor político de uma remodelação de Governo deve ser entendido pelos cidadãos e deve corresponder a uma lógica racional de inversão, de mudança, de relançamento das políticas, tendo sempre em vista o interesse das pessoas e do país.
Quando encarada numa lógica eminentemente instrumental, é um disfarce de qualquer coisa, seja ela o esgotamento do impulso político da liderança e do Governo, seja a cautela na salvaguarda dos mais próximos.
Mero exercício de sobrevivência política.
O alcance e a oportunidade de mais uma remodelação de Governo – por vontade do primeiro-ministro António Costa – transformam este meio de gestão política num exercício de banalidade em que dificilmente se descortina a sua razão de ser e os seus objectivos, no que respeita ao país e ao futuro dos portugueses.
Já se havia notado no congresso do PS e agora ficou claro que este partido se prepara para o debate da sucessão. Eu, e espero que a maioria dos portugueses, estamos prontos para assistir, logo após as eleições legislativas de Outubro, ao fim deste filme da sucessão que António Costa pôs a rodar. Diria mesmo que estes acontecimentos de gestão interna do PS mostram claramente um certo desespero pela perda do poder.
O ciclo de vida do Governo do PS, e que leva quase quatro anos, produziu quatro remodelações ministeriais e duas de secretários de Estado, num ritmo dificilmente comparável numa democracia em que nada perturba a solidez (para não dizer pacatez) do arranjo parlamentar que tem sustentado o executivo, por muito que os parceiros do PS se ponham, amiúde, em bicos de pés ou numa ufana atitude de reivindicação para que lhe caiam no colo algumas migalhas eleitorais.
Meras encenações.
Com uma maioria parlamentar estável e com parceiros prestáveis, por que razões se desfiam remodelações sucessivas, ao ritmo de meses? Provavelmente porque, como dizia um escritor italiano do século passado (Luciano Bianciardi), há muito que a política deixou de ser uma ciência do bom governo para se tornar, em vez disso, numa arte da conquista e da conservação do poder.
Quem resume a política a isso e as suas decisões nessa lógica, tende a dissociar-se do povo e das suas expectativas. O alcance das mudanças no Governo, protagonizadas por António Costa, não traduzem a lógica do bom governo mas a mera conservação do poder, em que pouco se deve reformar nas políticas e se ajustam os protagonistas aos ciclos de interesses do partido.
O alcance não é, por isso, o de reformar ou relançar políticas. É o de distribuir poder pelos correligionários do partido, garantindo equilíbrios e paz interna entre os vários grupos e agregando militância para as eleições.
António Costa, ao remodelar, não olha para o país, olha para o PS e para esses equilíbrios internos. Não deixa de, nesta remodelação em concreto, dar palco público aos notáveis das várias orientações do PS para estruturarem o seu poder e fazerem o tirocínio para a sucessão.
Costa remodela para concentrar poder e para usar o Governo como força pretoriana na luta política. E nesse domínio, vai-se esbatendo a saudável delimitação de Governo e partido e com a militância a prevalecer sobre a gestão da coisa pública.
Remodelar para tentar vencer as eleições é um procedimento pouco consentâneo com a democracia e com o papel das instituições numa sociedade moderna. Ainda mais se remodelar significa fazer uma nova orgânica do Governo a pouco mais de seis meses do seu fim.
António Costa conduziu, pela mão, um ministro – Pedro Marques – que percorreu o país e o espaço público mediático nessa rigorosa qualidade (e não outra qualquer), que lançou ao vento promessas e mais promessas, que anunciou lançamentos e mais lançamentos de obras e infra-estruturas, que quase prometeu um país novo e irreconhecível, por sua obra e graça.
Não deixa de ser estranho que quem se prestou a distribuir anúncios pelo país fora, jurando que agora era a sério, tivesse sido remodelado e afastado da possibilidade de ver a “sua” obra crescer. Sabemos bem – e o PS ainda sabe muito melhor – que pouco ou nada sendo cumprido, teria de sair o que mais prometeu em vão. Mas a última responsabilidade política não é de Pedro Marques mas sim de António Costa.
As remodelações devem corresponder a necessidades de mudança de ciclos políticos, de redefinição de objectivos do desenvolvimento do país. Não sendo essa, e claramente não foi, a motivação essencial do primeiro-ministro – impulsos de reforma e reorientação estratégica das políticas – então o país estará perante remodelações pífias, em que se olha mais para o interesse do partido do que para o país.
Este nunca será o caminho de Rui Rio e do PSD.