Fim à Mutilação Genital Feminina
Acredito que é possível acabar com a MGF até 2030. Como diz o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, “com a dignidade, a saúde e o bem-estar de milhões de meninas em jogo, não há tempo a perder".
Hoje, no Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina (MGF), neste exato momento, em vários lugares do mundo, há meninas a serem submetidas a esta prática nefasta. Cortadas no seu sexo, cortadas na sua alma, cortadas nas suas vidas.
Dentro desta realidade, encontramos países da África subsariana onde a prática acontece dentro do ritual tradicional, onde todos os momentos deste ritual de passagem têm um significado simbólico. Onde a faca tem força e clama pelo sangue, onde a mulher que faz o corte é a herdeira ancestral da faca, a guardiã de tradições. Mas outros países há, como o Egito, onde as excisões são praticadas em meio hospitalar, apesar da total oposição da Organização Mundial da Saúde e das associações de profissionais de saúde.
A MGF, seja ritualizada ou praticada em espaço assético, só tem um propósito e objetivo: a subjugação da mulher através do controlo da sua sexualidade, da sua identidade, da sua escolha, e é feita a partir do corte do clitóris, que pode ir ao corte dos lábios e à suturação do orifício vaginal.
A MGF atenta contra a saúde das mulheres e raparigas e tem na sua origem práticas culturais com um forte cunho patriarcal que não podem, em nenhuma circunstância, ser entendidas como justificação para a violação dos Direitos Humanos.
Este flagelo afeta 200 milhões de mulheres, raparigas e meninas em todo o mundo e se nada for feito até 2030 serão mais 15 milhões. Esta prática nefasta é realizada em mais de 50 países em todo o mundo e tem resultados dramáticos sobre a saúde mental, sexual e reprodutiva das vítimas.
Em 2019, o tema escolhido pelas Nações Unidas para este dia é “Traduzir as decisões políticas em ações concretas a nível nacional e de base comunitária, para atingir a meta de tolerância zero à MGF até 2030”.
2019 torna-se assim o ano em que a prioridade do combate à MGF se centra numa forte necessidade de concretização de políticas públicas de base comunitária para que nos próximos 11 anos possamos erradicar este fenómeno. Para que tal desígnio seja concretizado é fundamental um empenho nacional dos países onde a prática é tradicional e com prevalências identificadas, mas também dos países que têm diásporas dessas comunidades. Estima-se que vivem em Portugal cerca de 6000 mulheres mutiladas, provenientes de países como a Guiné-Bissau, a Guiné-Conakri e o Senegal.
Portugal tem trabalho pioneiro, através de planos de ação específicos e boas práticas como a formação de profissionais de saúde ou as campanhas nos aeroportos em períodos de maior saída para os países de origem, sendo reconhecido pelas instâncias internacionais, como o FNUAP, a UNICEF e o Conselho da Europa, tendo este último referido recentemente, através do GREVIO, na avaliação da implementação da Convenção de Istambul, o empenho do nosso país nesta matéria.
Ao nível da cooperação internacional, destaca-se o trabalho desenvolvido, em particular com o FNUAP e com o Comité Contra as Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau, sendo fundamental apoiar, quer os projetos que existem nos países de origem, quer a relação e o estabelecimento de pontes entre estes países e as suas diásporas, para que a mensagem de que a prática tem que acabar seja assimilada na sua totalidade. Um bom exemplo foi o projeto desenvolvido pelo Comité Contra as Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau e a ONG portuguesa P&D Factor, que articularam as ações entre os dois países.
Em Portugal, é fundamental dar continuidade ao trabalho que tem sido feito, nomeadamente a importância da introdução da MGF como crime autónomo no Código Penal em 2015 e o registo no sistema do SNS das situações referenciadas pelos profissionais de saúde, mas precisamos de investir mais na prevenção primária nos territórios onde vivem comunidades com prevalência da prática bem como no diálogo com os líderes religiosos e com as lideranças comunitárias.
Acredito que é possível acabar com a MGF até 2030. Como diz o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, “com a dignidade, a saúde e o bem-estar de milhões de meninas em jogo, não há tempo a perder. Juntos, podemos e devemos acabar com essa prática prejudicial”.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico