Uma nova Lei de Bases da Saúde para quê?
O caminho actual é insustentável. Se não for invertido, é o próprio direito à saúde que está em causa.
O Serviço Nacional de Saúde está a ser sangrado pelos interesses privados. Hoje, quatro em cada dez euros do orçamento do SNS vai para privados; ou seja, não são investidos no reforço e na ampliação da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde.
São quatro mil milhões de euros que todos os anos saem do SNS para pagar ‘fornecimentos e serviços externos’, com destaque para os quase 1200 milhões de euros para meios complementares de diagnóstico e outros subcontratos e para os quase 500 milhões de euros que nos custam as PPP da Saúde.
Este é um caminho insustentável. Se não for invertido, é o próprio direito à saúde que está em causa.
Quando ouvir falar de tempos de espera muito elevados para consultas, lembre-se que isso resulta da falta de recursos no SNS. E que esses recursos não existem porque estão a ser drenados para o privado.
Quando ouvir falar da falta de profissionais no SNS, lembre-se que muitos mais profissionais poderiam ser contratados se não se gastasse tanto dinheiro a financiar o setor privado da saúde.
Mas qual é, afinal, a causa desta sangria? É a Lei de Bases da Saúde de 1990, aprovada pelo PSD e pelo CDS, que abriu a saúde ao negócio. Os partidos que em 1979 votaram contra o SNS fizeram em 1990 uma lei para atacar o SNS.
A Lei de Bases de 1990 estabelece, na sua Base XXXVI, que “pode ser autorizada a entrega, através de contratos de gestão, de hospitais ou centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde a outras entidades”; ou seja, abriu as portas às PPP, as tais que foram entregues ao Grupo Mello, à Luz Saúde e à Lusíadas Saúde e que nos custam quase 500 milhões de euros por ano.
A mesma Lei, na sua Base XXXVII, estabelece que “o Estado apoia o desenvolvimento do setor privado de prestação de cuidados de saúde” através “da facilitação da mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de Saúde”, de “incentivos à criação de unidades privadas” e “na reserva de quotas de leitos de internamento”. É um bodo aos privados.
A Lei de Bases de 1990 foi feita para que o SNS perdesse profissionais, financiamento, investimento e capacidade de resposta. Foi feita para obrigar o SNS a contratualizar com privados e para criar um mercado da saúde à custa do orçamento público. Foi esta lei que permitiu que outros governos, como o de Durão Barroso, aprofundassem o ataque aos serviços públicos de saúde e aos seus trabalhadores e utentes.
Com uma Lei assim só podíamos ter chegado a uma situação de emergência. E é por isso que é preciso revogar a lei do PSD e do CDS, substituindo-a por uma Lei, essa sim, que defenda e promova um SNS público e de qualidade.
O Bloco de Esquerda apresentou há muito a sua proposta. Ela partiu do contributo inestimável de António Arnaut e de João Semedo e permitiu abrir um debate que é central para o presente e futuro do SNS.
Entretanto, também o Governo, o PCP, o PSD e o CDS apresentaram propostas. As da direita não trazem nada de novo. São, literalmente, o business as usual. Reciclando a proposta de Maria de Belém Roseira, apenas aprofundam os problemas que atualmente fazem definhar o SNS. Fica claro que quando PSD e CDS falam de Saúde pensam mais em clientelas e acionistas e menos em utentes e cidadãos.
A proposta do Governo continua a ser ambígua sobre a relação público-privado e não introduz nenhuma alteração nas taxas moderadoras. As palavras da ministra tendem a ser mais claras do que a proposta do Governo, o que só reforça a necessidade de clarificar as intenções do PS.
O futuro do SNS passa pela separação clara entre público e privado, pondo fim à sangria de recursos. Isso far-se-á com a gestão integralmente pública de todas as unidades do SNS; far-se-á deixando claro que a relação do privado com o público é de complementaridade e existirá apenas enquanto o SNS não adquirir a resposta em falta.
O futuro do SNS passa pelo restabelecimento de carreiras para fixar mais profissionais e pela promoção da exclusividade. Passa por um sistema que não permita copagamentos mascarados de ‘taxas moderadoras’ que nada moderam, muito menos quando são aplicadas a exames ou consultas prescritas.
O futuro do SNS far-se-á por aqui. No que depende do Bloco, não faltará futuro ao SNS.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico