Amemo-nos uns aos outros (mesmo velhos e flácidos): do #MeToo a Yann Moix

A confissão do escritor francês acerca da sua falta de interesse sexual por cinquentonas fez brotar tweets ultrajados. Mas não sejamos hipócritas: quem não tem os seus critérios íntimos, os seus fetiches e as suas obsessões, as suas repugnâncias e também os seus “tues-l’amour”?

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Yann Moix lança esta semana o seu novo romance, Rompre Jeremias Gonzalez/IP3/Getty Images

Ah! Em que estado estaria o nosso mundo se os nossos pénis e os nossos clitóris pudessem falar sem entraves? Seria destruído por tempestades de ferro e fogo falocráticas? Seria afogado por inundações de líquidos seminais e outros tsunamis libidinosos? A guerra dos sexos encher-se-ia de uma virulência funesta?

Se o nosso “isto”, os nossos pequenos monstros hipersexualizados escondidos debaixo das fraldas do “superego”, se evadisse de repente para barafustar livremente no espaço público, o mundo, pelo contrário, não iria bem melhor? As frustrações mortíferas iriam à vida, não mais haveria incompreensão entre géneros, seriam esquecidos os não-ditos e as perguntas sem resposta: uma vida de transparência e sem protocolo, diálogo, fusão, gozo e harmonia a todos os níveis!

Foi talvez com a ideia de trabalhar para o florescimento generalizado que Yann Noix, o cronista de televisão, escritor (prémio Goncourt em 1996 e prémio Renaudot em 2013) e cineasta (pobre cineasta), deixou na revista Marie-Claire esta confissão espantosa de sinceridade: “Só saio com asiáticas. Essencialmente coreanas, chinesas, japonesas (…). Muitas pessoas seriam incapazes de confessá-lo por ser racialismo. Eu digo a verdade. Aos 50 anos, sou incapaz de amar uma mulher de 50 anos (…). É demasiado velha. Quando tiver 60 anos, serei capaz. Os 50 anos parecer-me-ão então jovens (…). Elas são invisíveis. Prefiro os corpos das mulheres jovens, ponto final. Não vou mentir. Um corpo de mulher de 25 anos é extraordinário. O corpo de uma mulher de 50 não é nada extraordinário.”

Clamor imediato, evidentemente, e tweets ultrajados brotaram num piscar de olhos, dezenas de personalidades açoitando-o, zangando-se ou escolhendo a ironia, algumas indo mesmo ao ponto de postar fotos dos seus traseiros nus de cinquentonas para mostrar como continuam cheios, redondos e não flácidos. Porque flácido não é bem, firme é que é, segundo os critérios comuns. O quê? Uma pessoa do “people”, ele próprio cinquentão e na verdade não muito apetitoso fisicamente, de novo segundo os critérios comuns, ousa fustigar publicamente a desejabilidade de toda uma categoria de seres, usando como critério discriminatório um número, o da idade? No meio disto, a revista Marie-Claire distanciou-se num comunicado, precisando: “Achamos estas palavras chocantes. Dissemos-lho e escrevemos. Estas palavras –​ que ilustram uma sacralização da juventude no mínimo banal – não nos chocaram só a nós, e ainda bem. Como revista, não falamos apenas com aquelas e aqueles que pensam como nós; afrontamos a realidade, mesmo quando ela nos magoa e nos agride.”

Para quê interessarmo-nos aqui pelo que poderia ser entendido como uma estéril, feia e patética polémica saída da bolha mediática francesa? Em primeiro lugar porque o assunto é universal e a imprensa estrangeira compreendeu isso bem: há mulheres de 50 anos vexadas pelo olhar de não desejo dos homens em toda a parte do planeta, da mesma forma que há uns safados e cabrões concupiscentes que salivam perante a juventude provocante que desfila por publicidades, filmes e filas de espera de discotecas. Depois porque se coloca uma questão que regressa sempre: pode dizer-se tudo? Acontece que sim, pode dizer-se tudo, mas há responsabilidades e por isso consequências de incidência variável, de acordo com o que somos, do lugar de onde falamos e de a quem falamos, como falamos e por que falamos. Então devemos mentir? Yann Moix diz: “Não vou mentir-vos”. A auto-censura é um bem, uma qualidade civilizacional que se herda da educação, uma cortesia adaptada a cada cultura, cimentando as bases da vida em sociedade?

As reacções que emanam nos últimos tempos de diversas personalidades que podemos etiquetar de “homens brancos heterossexuais de mais de 50 anos” são respostas sãs ao batimento #MeToo, agora que são obrigados a voltar a esconder línguas e pénis, uma vez que o mundo não é um grande bolo de que eles partilham entre si todas as fatias.

A sexualidade é domesticável? Deve ser domesticada até um certo ponto, ou até ao fim, ou pelo contrário deve manter esta energia-pulsão reptilínea irracional e ainda assim vital (ainda que no quadro da lei e do consentimento mútuo)? E nesse caso é preciso mentir em público e debatermo-nos em silêncio com as nossas mil pequenas e grandes vergonhas? O que antes não era dizível passou a sê-lo às vezes, à medida dos avanços da sociedade, avanços em regra conquistados pelas grandes lutas de populações em sofrimento e discriminadas. Mas então por que é que o que não é dizível hoje não pode ser ainda assim legítimo?

São questões fundamentais, que convocam o animal que vibra em cada um de nós, homem, mulher ou outro, pobre humanidade, raça insolente que acredita emancipar-se dos princípios imutáveis que governam todos os seres vivos que rastejam, nadam, roubam ou fervilham sobre a terra. Yann Moix teve razão em fazer o seu “suicídio da confissão”, expressão dele, porque ganhamos sempre quando falamos livremente e sem vergonha do nosso desejo. Não sejamos hipócritas: quem não tem os seus critérios íntimos, físicos, comportamentais, os seus fetiches e as suas obsessões, as suas repugnâncias e também os seus “tues-l’amour”? Mas é inútil e perigoso, por outro lado, fazer este coming out de forma tão brutal, logo ele que é homem das letras e dos media: fazer mal, estigmatizar, borrifar o espaço mediático com palavras grosseiras sobre uma parte da população não pode deixar senão marcas feias no espírito do público.

A não ser que sejamos religiosos obcecados pelo que se passa na cama dos outros (enquanto que o que se passa na nossa se abeira frequentemente do fait-divers), cada um tem o direito e o dever de se deitar com quem quer e com quem lhe agrade. Ou pelo menos de tentar. Enquanto houver consentimento mútuo e a lei for respeitada, mais uma vez.

De qualquer forma, um bad buzz dá sempre uma boa polémica e uma boa polémica aumenta sempre as vendas. Na verdade, já sabem?, Yann Moix publica esta semana o seu romance Rompre, na Grasset, em que fala… dele.

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