Platão, n’ A República (381 A.C.), admite que para a fundação de uma cidade são necessários apenas quatro ou cinco homens: um agricultor, um pedreiro, um tecelão e um sapateiro. Eventualmente um comerciante. Mas, se a cidade aumentar talvez seja preciso enche-la com uma multidão que não está na cidade por necessidade; músicos, “a turba dos que imitam as formas e as cores”, cantores, actores e “fabricantes de artigos de todo tipo e especialmente de adornos femininos”.
Henry David Thoreau, sustenta em Walden; or, Life in the Woods (1854) que construiu em 1845 nas margens do lago Walden (a 2 quilómetros da casa da mãe em Concorde), uma cabana por $28 e onde diz que viveu durante dois anos e meio: ”Descobri que um estudante que procure casa pode construir uma para toda a vida por um preço pouco superior à renda que pagaria anualmente.”
Darwin, em The Descent of Man (1871), anota que os orangotangos à noite se cobrem com folhas. Numa analogia contemporânea observamos o sem-abrigo que se tapa com cartão reencenando assim o nascimento da arquitectura.
Em The Master Builder (1892), Enrik Ibsen obriga o arquitecto Solness a sacrificar tudo em troca do endeusamento da sua obra. Na peça, assistimos ao remorso do arquitecto-herói (starchitect) quando prefere a glória ao amor da jovem e bela arquitecta Hilde. É comovente a descrição da dor fundamental que sente um messias da construção, um visionário da cidade, que tem de desnecessariamente provar a presença na eternidade. Mais dramático ainda: a visita dos fantasmas das novas gerações de talentos que vão eclipsar o brilho das suas edificações.
O Adão de Mark Twain em Eve’s Diary (1905) constrói a primeira barraca do mundo para impressionar Eva. Copia os animais nos seus métodos construtivos. Melhora a forma passando do cone para o cubo e incrementa nos materiais: da madeira para a pedra (Rykwert). Mas Eva prefere dormir com os tigres porque eram muito mais fofinhos... “Ele não se interessa por mim, ele não se interessa por flores, ele não se interessa pelo céu pintado ao entardecer. Será que há alguma coisa que o interesse senão estar sempre a construir estúpidas barracas para evitar a doce e maravilhosa chuva...” “Ele parece um réptil, mas também pode ser arquitectura...”
O artista precisa de uma musa. O génio não porque a musa habita-o. Numa infausta decisão, a Academia de Viena recusa o portfólio do jovem artista Adolf Hitler em 1907 e de novo em 1908. Hitler considerava-se um génio e anos mais tarde exige a Albert Speer, o seu master builder, saber como é o aspecto das ruínas das suas cidades mil anos no futuro.
Em 1933, László Moholy-Nagy filma a viagem de barco entre Marselha e Atenas dos participantes no IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna (CIAM). A bordo do Patris II estão Erno Goldfinger, Le Corbusier, Alvar Alto e dezenas de outros arquitectos e artistas. Fumam, cabelos ao vento, óculos escuros, calças e camisas brancas (os Deuses Brancos como Tom Wolfe os marca em From Bauhaus to Our House, 1981). O tema do encontro era o planeamento da cidade. Solução: separar as funções da urbe em zonas de habitação, trabalho, divertimento e tráfego. A metodologia do sonho modernista foi sempre a mesma: encurralar a classe média e baixa em enormes blocos de apartamentos, criar áreas industriais e parques de negócios e fazer atravessar auto-estradas pelos centros das cidades. O modelo prevalece.
Os princípios do CIAM para a cidade do futuro aplicados blue-print em Pruitt Igoe (St. Louis, 1956) e em Bijlmermeer (Amsterdão, 1969), são exemplos catástrofe das políticas públicas de planeamento urbanístico influenciadas pela supremacia modernista. O complexo de Pruitt Igoe composto por 33 edifícios de 11 andares, projectados pelo arquitecto Minoru Yamasaki, foi inteiramente demolido entre 1972 e 1976. O mesmo Yamasaki do World Trade Center (também demolido em 2001). A história de Bijlmermeer é uma homotetia de Igoe. Em 1992, um avião da El Al despenha-se e corta ao meio um dos edifícios. Morrem oficialmente 43 pessoas e as 31 torres de 10 andares são demolidas.
Há uma extraordinária alegoria pictórica sobre o princípio e fim da cidade pintada por Thomas Cole entre 1833 e 1836. Hoje na New-York Historical Society, é uma encomenda para a casa do rei do comércio grossista de Nova Yorque, Luman Reed.
O políptico The Course of Empire é constituído por cinco pinturas onde é representado no mesmo vale o aparecimento e colapso de uma cidade imaginária: The Savage State — The Arcadian or Pastoral State — The Consummation of Empire — Destruction — Desolation.
Na história da civilização são centenas as cidades arrasadas por pestes, terramotos, vulcões, maremotos ou guerras. Há outras centenas fantasiadas em bandas desenhadas, ilustrações e filmes de ficção científica ou de catástrofe — com Nova Yorque à frente na representação da extinção. A história de todas as cidades, planeadas pela ambição dos seus arquitetos, começa com a fundação e termina inexoravelmente com o seu fim.