Polónia: a liberdade de expressão está a passar à clandestinidade?
Em três anos, entre 2015 e 2018, a Polónia desceu quarenta posições no Índice Global de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras. O serviço público de comunicação transformou-se em propaganda do governo e os jornalistas enfrentam processos na justiça. O discurso oficial tem-se moldado com valores nacionalistas, e isso reflecte-se nos comportamentos individuais.
11 de Janeiro de 2016. O jornalista Maciej Czajkowski tinha a carta de demissão no bolso. Trabalhava no serviço de informação da televisão estatal polaca e sabia que não podia continuar mais. A direcção tinha acabado de ser substituída por simpatizantes do partido que tinha ganho as eleições legislativas em Outubro de 2015, e que se mantém no Governo — o Lei e Justiça (PiS, na sigla em polaco). “Costumam dizer que o meu nome do meio é a imparcialidade”, brinca.
A carta nunca chegou a ser entregue. Maciej foi chamado para uma reunião com a direcção antes de poder marcar ele mesmo um encontro. Não foi inesperado, mas mesmo assim “foi difícil”, confessa ao P2, em Varsóvia, na redacção do jornal onde agora trabalha, o Gazeta Wyborzca, o maior jornal diário da Polónia.
Czajkowski mostra-nos os cantos à casa que o adoptou depois do despedimento e vai apontando outros colegas que tiveram o mesmo destino. Nestes quase três anos, terão sido quase 300 os jornalistas despedidos do serviço público, diz um comunicado publicado no início de Dezembro pelo Gazeta Wyborzca. Nesse comunicado, o jornal recusa ceder a pressões por parte do Governo para silenciar jornalistas.
“Quase 300 pessoas que não serviam?”, pergunta Czajkowski. O jornalista trabalhou 12 anos na BBC, no Reino Unido, e em 2012 regressou à Polónia com um convite para renovar a TVP, a televisão estatal polaca. A experiência correu bem, mas terminou abruptamente passados quatro anos. “Foram despedidos profissionais de topo, pessoas muito conhecidas. Basicamente, não eram pessoas que estavam preparadas para trabalhar ao serviço de um partido.”
Processo de “repolonização” dos media em curso
Desde 2016 que o serviço público de rádio e televisão polacos se tem vindo a transformar num veículo de propaganda do governo. Já os meios privados mais incómodos, bem como os seus jornalistas, têm sido processados pelas mais variadas razões, no que algumas organizações internacionais denunciam como uma tentativa de boicotar o trabalho dos jornalistas.
Para além da pressão nos tribunais, as empresas do estado tiraram toda a sua publicidade dos meios que não alinham com o Governo. O executivo fala ainda numa “repolonização” das empresas de comunicação social, impondo um limite ao capital estrangeiro. A maior televisão privada do país, a TVN, é propriedade da americana Discovery, e alguns dos grandes jornais do país fazem parte do grupo suíço e alemão Ringier Axel Springer Media.
A par destas decisões que restringem a liberdade de imprensa polaca, causa preocupação a reforma do sistema judicial que questiona a independência dos juízes e viola as regras europeias.
A medida mais controversa foi aprovada há cerca de um ano e fez com que se colocasse em cima da mesa a hipótese de activação do artigo 7.º do Tratado Europeu contra a Polónia. Essas mudanças abriram caminho para o Governo passar a controlar a nomeação e demissão dos 86 juízes do Supremo Tribunal e dos tribunais inferiores, e para o parlamento escolher a composição do Tribunal Judiciário Nacional, a quem compete a indicação de todos os magistrados.
Um ano depois, uma parte da reforma foi travada depois de uma exigência do Tribunal Europeu de Justiça. Em causa estava a antecipação da idade da reforma dos juízes do Supremo Tribunal, e que só este ano já tinha obrigado à reforma de cerca de dois terços dos magistrados. No final de Novembro, o governo recuou e voltou a integrar esses juízes. As restantes alterações, no entanto, mantêm-se.
“A liberdade de expressão não existe”
“É preciso dizer a verdade sobre a liberdade de expressão. Ela foi concebida no século XVIII pelos franceses, mas acabou.” Andrzej Tadeusz Kijowski é o especialista em liberdade de expressão do Conselho Nacional de Radiodifusão polaco (KRRiT, na sigla original), o organismo público que tem como missão garantir que este direito está a ser cumprido pelas rádios e televisões na Polónia.
Kijowski recebe o P2 na sede do KRRiT. Conversamos em inglês e francês, um polaco e uma portuguesa, com a ajuda de outra polaca, Teresa Brykczynska, a porta-voz do conselho, que vai pontuando a conversa com algumas clarificações.
Momentos antes de a entrevista começar, Brykczynska pergunta se não podemos ter apenas uma conversa sem câmara ou gravador. Quer saber exactamente o que vai ser perguntado — “para ter a certeza” de que sabem responder.
Ao lado dela, Kijowski parece saber muito bem o que dizer. A liberdade de expressão, argumenta, “acabou em 1950 com o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estabelece que a difusão de rádio e televisão pode ser limitada pelos governos”.
O artigo citado por Kijowski dá a todas as pessoas o direito de transmitirem ideias e opiniões sem restrições e prevê, como afirma o especialista do Conselho Nacional de Radiodifusão polaco, a possibilidade de se estabelecer um regime de autorização prévia a empresas para obterem licenças de radiodifusão (isto é, para abrirem um canal de televisão ou de rádio).
Kijowski, cuja função é a de garantir a liberdade de expressão nos media, defende que ela há muito que não existe na Europa e dá exemplos. “A situação da liberdade de imprensa na Polónia é muito melhor do que por exemplo em França e na Alemanha, porque lá não se pode de maneira nenhuma dizer as verdades sobre a situação dos imigrantes e sobre a oligarquização da democracia na União Europeia.”
O discurso não surpreende quem tem acompanhado a informação através do serviço público. Os noticiários estão cheios de discursos contra a Europa. Há um “nós” (polacos) contra “eles” (a União Europeia) constante.
Um relatório publicado em Janeiro pela Sociedade de Jornalistas polaca mostra como a televisão polaca se transformou num instrumento de propaganda do partido no governo, ajudando ainda a criar uma sensação de ameaça vinda do exterior, por parte dos russos e dos imigrantes, e ainda um clima de desconfiança em relação aos membros do anterior governo, agora na oposição.
Kijowski não nega a instrumentalização do serviço público. Explica que o país vive uma “guerra” de informação (Teresa torce o nariz, diz que “guerra” é uma palavra muito forte, mas sublinha que a comunicação tornou-se muito polarizada), e o serviço público não tem alternativa se não ser usado pelo governo. Mesmo se a lei diz que ele deve ser pluralista, isento e independente.
Teresa Brykczynska completa: “É preciso dizer que a televisão pública é a televisão onde o nosso governo pode, e podemos mesmo dizer, deve, apresentar as suas políticas, os seus planos, porque as pessoas que votaram nele querem saber quais são as políticas que existem na Polónia”.
A instrumentalização da informação é confirmada pelo relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras que acompanha o Índice Global de Liberdade de Imprensa 2018. O país ocupou este ano o 58.º lugar no ranking, uma posição muito distante da 18.ª posição conquistada em 2015.
Na tabela de 2018, Portugal ocupa o 14.º lugar e quatro estados-membro da União Europeia estão em situação pior do que a Polónia — Malta (65.ª), Croácia (69.ª), Hungria (73.ª) e Grécia (74.ª).
Sobre a Polónia, o relatório da RSF fala em “cegueira ideológica” e descreve um serviço público de comunicação transformado numa voz para o governo difundir a sua propaganda.
Um megafone do partido
Como funciona a propaganda no serviço público? Andrzej Krajewski é o autor do estudo da Sociedade de Jornalistas publicado em Janeiro deste ano e que revela a instrumentalização por parte do partido no governo do serviço público de televisão.
Recebe-nos no seu escritório, em casa. Uma parede está decorada com fotografias de Krajewski com vários ilustres, que teve a oportunidade de entrevistar enquanto jornalista — do papa polaco João Paulo II a George H. W. Bush. Do outro lado, recortes de jornais emoldurados, onde ele próprio foi o protagonista das notícias — como uma manchete de Junho de 1989 do New York Times, quando os polacos votaram nas primeiras eleições legislativas depois do fim do regime comunista.
No final de Setembro e início de Outubro deste ano, antes das eleições locais, voltou a analisar os conteúdos da TVP, onde ele próprio chegou a trabalhar, como correspondente em Washington, entre 1990 e 1994.
Concluiu que 73% dos momentos em que uma pessoa fala directamente para a câmara eram protagonizados por representantes do partido Lei e Justiça. Também nos comentadores, havia uma “maioria clara, perto dos 90%”, de apoiantes do governo. “As vozes contra eram muito reduzidas, quase inexistentes”, explica.
Krajewski convida-nos para ver com ele o Wiadomosci, o telejornal da televisão estatal. No dia 11 de Dezembro, a notícia de abertura é o aumento das pensões, que vai entrar em vigor em Março. A peça compara o aumento com o do governo anterior, que tinha sido menor. Mostram-se imagens de brutalidade policial durante as manifestações dos coletes amarelos em França. O oráculo diz: “Macron oferece dinheiro para comprar tempo” (anunciou o aumento do salário mínimo e cortes nos impostos sobre as pensões para fazer face aos protestos). A notícia seguinte vai até ao Parlamento Europeu e o oráculo volta a marcar o tom: “Bruxelas cega perante o drama dos franceses”.
“A única comparação com o que tem acontecido no serviço público na Polónia durante os últimos quase três anos é o que aconteceu na imprensa nos anos 80”. A Polónia vivia uma ditadura comunista e Andrzej Krajewski dava os primeiros passos na carreira de jornalista, ao mesmo tempo que, na clandestinidade, fazia parte do movimento Solidariedade, do histórico líder Lech Walesa, o primeiro presidente eleito após a derrocada do comunismo. “Eu julgo que a liberdade de expressão está a passar à clandestinidade”, lamenta.
Lei e justiça
Ao mesmo tempo que controla a informação no serviço público, o governo polaco tem aumentado a pressão sobre os meios privados. Dominika Bychawska-Siniarska, advogada de direitos humanos especializada em liberdade de expressão, é directora do Observatório da Liberdade de Imprensa da Fundação Helsínquia para os Direitos Humanos e recebe-nos no seu escritório a poucos metros do Supremo Tribunal Administrativo da Polónia.
O gabinete parece pequeno para todos os dossiers e livros que foi acumulando ao longo dos anos.
A advogada denuncia um “ambiente hostil” que está a ser criado à volta dos jornalistas. “O que é novo é o uso generalizado do sistema criminal contra os jornalistas”, explica. “Isto quer dizer abrir processos com base na lei da imprensa, com base na difamação de órgãos do Estado, de instituições do Estado, e estes procedimentos raramente aconteciam antes. Os órgãos estão a tentar proteger-se através das instituições e da máquina do Estado.”
O uso do sistema judicial para proteger o Estado tornou-se mais fácil com a reforma na justiça e pelo facto de o procurador-geral e o ministro da Justiça serem a mesma pessoa. Os dados mais recentes sobre processos de difamação remontam a 2016, ano em que o número de processos contra meios de comunicação social aumentou. Em 2013 e 2014 houve 58 processos, em 2015 foram 70, e em 2016 foram abertos 101.
“Não temos estatísticas [mais recentes], visto ser algo novo, mas vemos cada vez mais casos desses a serem divulgados”, afirma Dominika Bychawska-Siniarska. E a pressão tem aumentado. “Há cada vez mais casos em que a polícia vai até casa dos jornalistas, fazendo buscas à procura de material jornalístico”.
No final de Novembro, elementos da Agência de Segurança Interna da Polónia (o equivalente ao Serviço de Informações de Segurança português) foram até casa de um repórter de imagem que se tinha infiltrado num grupo de neonazis polaco para um documentário emitido em Janeiro deste ano na emissora privada TVN. Piotr Wacowski chegou a estar acusado de propagação do nazismo, mas a procuradoria acabaria por retirar a acusação dias depois.
“Ninguém devia ter ido até casa dele de acordo com as regras de proporcionalidade”, diz Bychawska-Siniarska. E acrescenta que este tipo de intimidações aumentou no início de Dezembro. “Este fim-de-semana [8 e 9 de Dezembro], um polícia foi até casa de um repórter de imagem que tinha filmado uns protestos. Ontem [10 de Dezembro], a polícia visitou um jornalista que tinha descrito os protestos. Mais uma vez, não havia nenhuma urgência que justificasse esta visita.”
Dominika não tem dúvidas de que é o novo partido no governo quem está por trás desta postura por parte das autoridades. “Isto é um fenómeno novo. Há muitos anos que trabalho aqui. Nós conseguíamos trabalhar em conjunto com o Governo e os parlamentares. Tínhamos a impressão de que estávamos a trabalhar para um objectivo comum, a melhoria dos direitos humanos. Agora, não temos nenhuma hipótese de comunicar com as autoridades ou com os parlamentares, a nossa voz é ignorada.”
Um país polarizado
Estas ameaças à liberdade de imprensa surgem numa sociedade marcada por uma profunda divisão política.
A advogada de direitos humanos Dominika Bychawska-Siniarska descreve uma sociedade tão “polarizada” que chega a haver pessoas dentro da mesma família que não conseguem comunicar. “Infelizmente, isto tem-se tornado cada vez mais evidente, e é muito difícil de construir pontes e encontrar tópicos que não sejam políticos e usá-los para construir pontes e começar um diálogo com o outro lado”.
Nuno Bernardes, um professor de português que trocou Faro pela Polónia há onze anos, conhece bem esta divisão. Sentiu-a numa altura em que jogava futebol amador, mas com três treinos por semana. Nos exercícios de aquecimento, recorda, havia uma clara separação entre os jogadores de um partido e os de outro. “Se uma pessoa fosse do partido A, e eu fosse do partido B, não fazíamos os exercícios juntos.” Em campo, funcionavam em conjunto porque “tinham de obedecer ao treinador”.
No dia-a-dia, a política é tema a evitar se se quer manter um bom ambiente. “É daquelas informações que é preferível não revelar.”
A polarização é também muito evidente nos media, explica Bychawska-Siniarska, que lamenta que esta divisão dificulte a luta pela liberdade de expressão e de imprensa. “Há os meios de comunicação muito críticos e os que são pró-governo. Muito pouco no meio.”
E no meio, ou de fora, fica quem se quer manter afastado desta divisão política. Nuno admite que tem dificuldade em manter-se informado sobre o que se passa na Polónia por causa disso. E dá um exemplo. No início de Outubro, estreou-se nos cinemas polacos o filme O Clero, baseado em acontecimentos reais e com testemunhos de vítimas de abuso sexual por parte de membros da Igreja.
Entre as personagens retratadas, há um padre bêbado que aconselha a amante a fazer um aborto, um padre acusado de abusar de um menino, e um membro do clero envolvido em esquemas de chantagem e corrupção. A película foi um sucesso nas bilheteiras logo na primeira semana: mais de 1,8 milhões de pessoas foram vê-lo, quase 5% da população do país de maioria católica com 38 milhões de habitantes.
Nuno conta como a imprensa do lado da oposição “rejubilou” com o fenómeno, enquanto os meios pró-governo sublinharam que “mais de 35 milhões de polacos boicotaram a estreia”.
Um travão chamado União Europeia
De acordo com a retórica que domina os meios pró-governamentais, a União Europeia é uma instituição inimiga da Polónia, que procura castigar os polacos e impor regras que prejudicam a país. Uma estratégia que o partido Lei e Justiça já terá percebido que não funciona entre a população.
Os polacos só se juntaram à União Europeia em 2004, mas são já um dos povos mais europeístas da comunidade. Em Setembro, o Eurobarómetro perguntou a cidadãos dos vários estados-membros como votariam caso houvesse um referendo sobre a permanência do seu país na UE. Na Polónia, 75% responderam que optariam pela permanência, um número idêntico ao registado em Portugal (74%). A Itália foi o país onde menos pessoas responderam a favor da permanência (44%).
“Eu penso que temos muita sorte por sermos membros da comunidade europeia. Se não fôssemos, provavelmente hoje seríamos um país parecido com a Rússia, com outro Putin”, argumenta Maciej Czajkowski, na redacção do Gazeta Wyborzca. A este tempo de incerteza, Maciej chama um “soluço” no percurso democrático da Polónia.
Dominika Bychawska-Siniarska sublinha que o país precisa de uma maior intervenção por parte da UE, uma vez que os mecanismos nacionais não estão a funcionar. “Penso que a UE é lenta, mas a decisão recente que levou à reinserção dos juízes do Supremo Tribunal foi importante. Nós vemos agora que as instituições e os tribunais internacionais estão a ser a nossa salvação”, diz a advogada de direitos humanos.
Um “regime suave” que se entranha
Muitas das mudanças propostas pelo governo tiveram como resposta a contestação popular. Klementyna Suchanow não falha uma manifestação, diz que vive há três anos na rua. Desde que o Lei e Justiça chegou ao poder. Em 2016, quando o governo mostrou intenções de proibir o aborto, Klementyna foi uma das impulsionadoras do movimento de mulheres que tomou a rua para protestar. A contestação popular foi de tal ordem que o tema não voltou a estar em cima da mesa.
Há um ano, quando foram introduzidas as maiores mudanças no sistema judicial, Klementyna também estava lá. “Posso dizer que tenho andado a tentar defender a democracia”, conta ao P2, sentada num banco de um jardim na margem direita do Vistula, em Varsóvia. Para aqui chegar, vindo do centro da cidade, é preciso atravessar o rio e deixar para trás os quarteirões modernos e as avenidas largas da capital da Polónia.
Klementyna Suchanow, escritora e historiadora, acumulou ao longo destes três anos vários confrontos com as autoridades. “Já fui perseguida pela polícia algumas vezes, fui algemada, fui atirada ao chão”, conta, como se estivesse a falar de uma nova normalidade, sem qualquer arrependimento ou raiva na voz.
Por causa das suas participações em diversas manifestações, também vai acumulando audiências em tribunal e chamadas para prestar declarações. Tantas que deixou de comparecer. “Parei de ir porque teria de passar todo o meu tempo nas esquadras da polícia. A parte boa é que, por causa das reformas no sistema judicial, muitos juízes sentem-se responsáveis pelas pessoas que defendem a justiça e há pessoas que trabalham em nossa defesa pro bono.” Estas pessoas fazem-na acreditar que o sistema não está corrompido.
Aos 44 anos, Klementyna confessa que é a primeira vez que sente este tipo de pressão sobre a liberdade. Lembra-se de o pai ter estado preso por motivos políticos durante a ditadura comunista. Mas, acrescenta, até há pouco tempo, “na Polónia, não havia nada relacionado com um estado nazi, ou coisas que não pudéssemos dizer ou escrever”.
“Eu sou uma escritora, e estou muito atenta às palavras e ao texto, à língua, e vejo como esta situação política está a influenciar a liberdade de expressão das pessoas, como elas começam a censurar-se porque sentem que o devem fazer.”
Klementyna chama-lhe um “regime suave, estranho e clandestino”, que, a pouco e pouco, se vai instalando na mente das pessoas sem ser preciso recorrer a regras e leis. “E as palavras trazem atitudes”. Exemplifica: “Eu lembro-me da primeira parada gay e eu não vi tanta agressividade como vejo hoje.”
Um estudo da Fundação Helsínquia para os Direitos Humanos realizado antes das eleições locais de Outubro mostra como alguns candidatos do Lei e Justiça usaram retórica antimigrantes e discurso de ódio para ganhar votos.
O discurso molda-se para acomodar outros valores e esta transformação já está a acontecer nas escolas. Klementyna Suchanow tem uma filha de 15 anos e por isso está mais atenta à retórica no meio escolar. Diz que passou a incorporar valores como a “promoção da família, com um homem e uma mulher, questões históricas como ‘a Polónia é a melhor’, muito ódio em relação à Ucrânia, aos migrantes, aos judeus”.
“Vai levar anos a recuperar”, calcula. Mesmo se o partido Lei e Justiça não for reeleito em Outubro, quando os polacos serão de novo chamados às urnas para escolher a composição do Sejm, o parlamento.
“Eu sou historiadora e conheço os processos da história. Sei que nós podemos estar no fundo neste momento, mas há sempre um fim. Estamos a falar da Polónia, mas está tudo ligado: os Estados Unidos, a União Europeia, a Rússia. Estamos a perder, mas a longo prazo vamos ganhar, de certeza, porque eu não vejo alternativa. As pessoas querem a liberdade.”