Os habitantes de Nova Deli estão a fugir para Goa por causa da poluição
Pode uma cidade ser grandiosa quando o ar que lá se respira leva os que podem a fugir? Por enquanto, os migrantes da poluição são uma pequena elite, mas a capital da Índia é cada vez mais irrespirável.
Quando Deepikah Bharadwaj era criança e vivia em Nova Deli, esperava ansiosamente a chegada do Inverno indiano. As manhãs tornavam-se geladas, enquanto as noites eram agradavelmente frescas. Porém, nos últimos anos, esse anseio tornou-se um sentimento desagradável. Com a descida das temperaturas chegou um nevoeiro poluído e espesso, que a deixa sem ar e com medo de sair à rua. Depois do nascimento do filho em 2016, decidiu que era altura de agir. Agora, quando pensa em Nova Deli, sente, sobretudo, alívio por ter saído de lá.
“Sinto-me mal por não poder voltar à minha cidade natal, nunca mais”, diz Bharadwaj, de 33 anos, sentada no seu apartamento luminoso em Goa, na costa ocidental da Índia, a mais de 1600 quilómetros de Nova Deli. “É um sentimento de perda permanente, como se um amigo tivesse partido sem dizer adeus”.
Bharadwaj faz parte de um ainda pequeno mas cada vez mais volumoso contingente de pessoas a quem podemos chamar refugiados ambientais: pessoas que decidiram que a melhor resposta para a inacreditável poluição de Nova Deli é fugir de lá. Alguns, como Bharadwaj, trocaram a capital da Índia por Goa, outros preferiram Bangalore, Bombaim ou até o Canadá.
O fenómeno parece limitado a uma pequena elite — uma gota quando se compara com o influxo de gente que chega diariamente a Nova Deli à procura de oportunidades económicas. Mas estas partidas são uma crítica às cada vez maiores ambições da capital indiana: quão grandiosa pode uma cidade ser quando o ar que lá se respira leva alguns habitantes a fugir?
A pior metrópole
Segundo a Organização Mundial de Saúde, Nova Deli tem o ar mais poluído de todas as maiores metrópoles do mundo. As causas são várias — o fumo dos canos de escape dos veículos, o pó das construções, as emissões industriais, as queimadas nos estados vizinhos — e potenciadas pelos factores geográficos.
A “época de poluição” na Grande Nova Deli, com cerca de 29 milhões de habitantes, começa em Outubro e estende-se durante meses. Novembro e Dezembro são os meses piores. Há poucas semanas, o nível de partículas consideradas mais nocivas para a saúde humana saltou para 40 vezes acima do nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Essas partículas podem alojar-se profundamente nos pulmões e têm vindo a ser relacionadas com hipertensão, doenças cardíacas, infecções respiratórias e cancro.
Os mais abastados fazem o que podem para reduzir a sua exposição ao ar poluído. Compram máscaras, purificadores de ar para as casas e planeiam viagens para a época das férias escolares para saírem da cidade com os filhos. Mas, para muitos, essas medidas não bastam. E estão dispostos a optar por medidas difíceis — abandonar os empregos e deixar a família e os amigos para trás para procurarem ar mais limpo.
“É uma emergência nacional”, disse Mayur Sharma, um dos apresentadores de um popular programa de televisão sobre alimentação que nasceu e cresceu em Nova Deli mas, no ano passado, deixou a cidade com a família. “Quanto mais sabemos, mais assustados ficamos”.
Sharma disse que quando o filho dava corridas na rua nos dias de Outono, tinha problemas para respirar durante a noite e tinha que usar um nebulizador. Foi durante uma tarde, há dois anos, que Sharma e a mulher, Michelle Cornman, se depararam com um cenário surreal — uma festa de anos infantil ao ar livre onde todas as crianças usavam máscaras contra a poluição. Decidiram que estava na hora de deixarem Nova Deli.
O seu destino foi um local que visitaram em férias: Goa, um pequeno estado conhecido pelas praias, coqueiros e um ritmo de vida descontraído. Agora, a família de Sharma vive numa rua tranquila da cidade goesa de Porvorim. A sua casa fica perto da floresta e deixam as janelas abertas.
“Sentimo-nos como desertores”, disse Michelle Cornman, de 42 anos, que viveu uma década em Nova Deli. Diz que o casal tenta não falar sobre a sua mudança de vida com as pessoas da sua antiga cidade. “É muito difícil dizer aos nossos amigos: ‘Olhem, hoje esteve um dia lindo, fomos à praia’”.
Para Tracy Shilshi, o ponto de ruptura foi em Novembro do ano passado, depois do Diwali [a maior festa hindu]. O feriado celebra-se com foguetes e outro fogo-de-artifício, o que acrescenta mais um elemento à mistura tóxica de poluição de Nova Deli. “O ar ficou tão mau que sentíamos a poluição na boca”, disse Shilshi, de 37 anos. No Facebook, Tracy publicou uma queixa em forma de poema sobre a poluição em Nova Deli de um autor desconhecido.
O filho de Shilshi, de três anos, tinha constantemente o nariz a pingar, o que o pediatra atribuiu ao ar de Nova Deli. O seu pai lutava contra uma tosse constante. Por isso, após 25 anos a viver na cidade, Shilshi deixou o emprego de jornalista televisiva e, em Abril, mudou-se com o marido, o filho e os pais para a zona sul de Goa. Os problemas respiratórios do filho e a tosse do pai de Tracy melhoraram numa semana. Os purificadores de ar que usavam em Deli estão agora a ganhar pó dentro de caixas.
As empresas de mudanças e os responsáveis por empresas de recrutamento de pessoal confirmam que os habitantes de Nova Deli estão a abandonar a cidade devido à má qualidade do ar, ainda que não possam quantificar a tendência. Suresh Raina, sócio da empresa de recrutamento Hunt Partners, disse que o Inverno se tornou o momento ideal para persuadir executivos que não têm raízes profundas em Nova Deli a aceitar empregos noutras cidades. Estes executivos “apercebem-se [do problema] a cada Novembro, quando a poluição se adensa e o céu escurece. Começam a fazer telefonemas a dizer: ‘Não vou continuar aqui’”, disse Raina.
Shiivani Aggarwal, directora executiva do Formula Group, especialista em recolocações, disse que encontrou vários exemplos de pessoas expulsas da cidade pela poluição: uma família que no ano passado se mudou para Hyderabad, porque o filho pequeno tinha dificuldade em respirar em Nova Deli; um casal de Bombaim que chegou há dois meses mas já está à procura de forma de sair devido à poluição; um terceiro casal decidiu viver separado — ele em Nova Deli, ela em Goa — por causa da má qualidade ao ar. Há cerca de um mês, disse Aggarwal, o seu próprio marido levantou a hipótese de se irem embora. Por agora, não vão a lado nenhum.
Refugiados
“Esta espécie de migração das pessoas com possibilidades económicas está a começar”, disse Vindhya Tripathi, que se define como uma “refugiada da poluição” em Goa. Deixou Nova Deli em Dezembro do ano passado com os dois filhos, depois de pensar sobre a hipótese durante anos: o marido ainda trabalha na cidade e viaja para sul, de avião, ao fim-de-semana.
A sua casa fica numa colina acima do rio Mapusa, com vista para um vasto vale verde. “Gostaria de acreditar que as coisas vão mudar” em Nova Deli, disse Tripathi, de 39 anos. Mas essa mudança “não vai acontecer nos próximos cinco anos, enquanto os meus filhos são crianças”.
Outros têm mais esperança. Melhorar a qualidade do ar pode demorar meio século ou mais, mas “não há nada que não possa ser feito”, disse Joshua Joshi, de 37 anos, sentada no alpendre da sua casa numa pequena aldeia de Goa.
Anoitecia e as suas gémeas de três anos corriam por ali descalças. Joshi deixou Nova Deli em Setembro e pretende ficar em Goa até Março, quando a poluição na capital diminui um pouco. Nova Deli “tem uma boa energia, adoro-a, é a minha casa”, disse, “mas não posso fazer de conta que o problema não existe”.