A caravana que atravessa o México rumo aos EUA é uma cidade sob pressão
Foi para não pagar aos contrabandistas que exigem milhares de dólares e não garantem a segurança que milhares de pessoas se juntaram para tentarem a sorte. Trump chama-lhes criminosos. A esperança torna-se cada vez mais pequenina.
Eles dormem em cobertores emprestados, enrolados no chão de algum local que lhes cederam para passarem a noite. Compartilham refeições de canja de galinha e tortilhas. Lavam a roupa em rios ou tanques e, quando adoecem, depois de mais de 20 dias na estrada, os imigrantes são ajudados por freiras que acompanham a caravana e lhes fornecem medicamentos e curativos.
Depois de uma penosa caminhada, o primeiro e maior grupo de imigrantes a chegar à fronteira dos Estados Unidos da América, de 4000 a 5000 pessoas, é maior do que alguns dos municípios no México, duplicando a sua população da noite para o dia. São passageiros fugazes, um encontro vinculado por um único objectivo: procurar asilo ou trabalho nos Estados Unidos.
“É praticamente uma cidade ambulante”, disse Edgar Corzo Sosa, um responsável pela defesa dos direitos humanos do México que monitoriza a caravana. No fim-de-semana passado, o grupo estava a viajar pelo estado de Veracruz, a centenas de quilómetros a sudeste da Cidade do México.
Como em qualquer cidade, a caravana teve a sua quota-parte de marcos e tragédias. Nasceram bebés, um homem morreu depois de cair de um camião lotado e várias mulheres sofreram abortos espontâneos, dizem a Cruz Vermelha do México e entidades de defesa dos direitos humanos. Os imigrantes levantam-se juntos de madrugada, viajam em grupos de famílias ou amigos das mesmas cidades e fazem assembleias nocturnas para decidir onde vão em seguida.
As alianças podem ser frágeis, desgastadas pelo cansaço e pela incerteza. Por esta altura esperavam que a viagem já tivesse terminado, com autocarros que os transportariam para a Cidade do México e depois para o norte, até a fronteira com os Estados Unidos, mas os autocarros nunca chegaram.
No domingo, a caravana dividiu-se em grupos. Alguns dos viajantes mais rápidos foram à boleia e adiantaram caminho. Ao nascer do sol, mais de 1500 pessoas deixaram a pequena cidade de Isla e dirigiram-se para Córdoba, também em Veracruz, mas mais perto da capital, enquanto outros se espalharam pelo estado vizinho de Puebla e por outras cidades no caminho.
Fuga aos contrabandistas
A maioria dos imigrantes vem das Honduras, um país devastado pela violência dos gangs criminosos e do Governo. Em meados de Outubro, a caravana formou-se, porque muitas as pessoas aproveitaram a oportunidade de viajar em segurança juntas pelo México, sem terem de pagar milhares de dólares aos contrabandistas. Desde então, alguns voltaram atrás, outros procuraram asilo no México.
Outros ainda caminharam até perderem os seus sapatos ao longo da estrada longa e escaldante.
Os seus percursos são coordenados por activistas mexicano-americanos da organização Pueblo Sin Fronteras, com megafones, embora os organizadores afirmem que a caravana se governa a ela mesma. Mas as multidões também dependem das cidades e vilas mexicanas que oferecem centros comunitários para poderem dormir e grupos de Igreja dispostos a prepararem tamales e a fazerem churrascos a meio da noite.
O presidente Donald Trump retratou os viajantes da caravana como “bandidos e membros de gangs muito perigosos”, e afirmou que a 19 de Outubro milhares de imigrantes tinham empurrado e pontapeado um portão da fronteira entre a Guatemala e o México. As declarações de Trump foram difundidas na Internet com imagens falsas, incluindo uma de um polícia mexicano ensanguentado, tirada noutro local em 2012.
Trump ordenou a entrada de milhares de militares na fronteira sul e disse que consideraria o envio de até 15 mil, aproximadamente o mesmo número de militares americanos presentes no Afeganistão.
No México, polícias e observadores de direitos humanos do Governo dizem que não viram exemplos de terroristas ou de violência extrema. “Ele pode dizer mil coisas”, disse Corzo Sosa sobre as alegações de Trump. “Estamos aqui na caravana... Não identificámos nenhum.”
Na sexta-feira, pouco depois de atravessarem o estado de Veracruz, de casas e praias estonteantes mas também de violentos ataques de cartéis, imigrantes encharcados da chuva aplaudiram quando o governador Miguel Angel Yunes disse que providenciaria autocarros para os levar à Cidade do México.
Mas Yunes rapidamente mudou de ideias, referindo uma escassez de água na capital. Críticos observaram que foi pressionado para se distanciar para evitar um confronto na fronteira com os EUA antes das eleições intercalares de ontem.
Na “rota da morte”
No dia seguinte, os imigrantes desanimados, dirigiram-se para norte, com os pés cheios de bolhas, por uma estrada estreita, que um organizador disse ser uma zona onde há roubos e ataques frequentes. Chamou-lhe a “rota da morte”. A Pueblo Sin Fronteras pediu-lhes que ficassem juntos, mas alguns correram para apanharem boleia em camiões, amontoados nas portas abertas ou agarrados nas laterais.
Oscar Lopez, de 31 anos, voltou com a mulher e os três filhos, incluindo Elias, de três anos, que estava sentado num carrinho de bebé e usava umas Crocs azuis com carros de corrida.
“Isto é perigoso”, disse Lopez, ao abanar a cabeça, enquanto outros se penduravam no camião. Na confusão instalada na caravana, o seu filho de 12 anos desaparecera durante 33 horas, disse ele — e não estava disposto a arriscar de novo.
Enquanto esperavam poder viajar de forma mais segura, a brigada alimentar invadiu a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Na noite anterior, o padre mais jovem da igreja, Joel Campechano, tinha alertado a sua paróquia através do WhatsApp de que a caravana estava a chegar. No dia seguinte, os paroquianos serviram tamales caseiros, panelas de arroz e tortilhas.
Uma das voluntárias foi Marta Murgia, de 43 anos, que usava um avental rosa-choque com uma fotografia de Jesus. “Interrogo-me sobre o que os espera”, disse sobre as famílias que passavam.
No fim da estrada estavam os Avalos, os Lopez os Contreras e um bebé em estado febril chamado Aaron. A mãe, Nataly, tentava baixar-lhe a temperatura com medicamentos e banhos de garrafa de água à beira da estrada. Cidades inteiras estavam juntas, como o contingente de Siguatepeque, uma povoação rodeada de montanhas nas Honduras.
As tentações
Sem os autocarros, ficou claro que a jornada iria demorar muito mais tempo do que esperavam e que alguns deles tomariam uma rota diferente. Um jovem disse que trocava mensagens com um amigo contrabandista que o informou de que custaria 7500 dólares americanos (cerca de 6570 euros) para atravessar a fronteira dos EUA.
Arnoldo Gomez, que deixou a mulher e dois filhos em Tocoa, Honduras, disse que várias mulheres se ofereceram para o acolher. Ele recusou deixar o seu irmão e os amigos que tinha feito durante a viagem. “Estas são as tentações”, disse ele.
“Temos de ficar juntos”, disse Jose Guillen, de 22 anos, ao lado do seu novo amigo Alejandro Carvajal, um cantor de 18 anos. Viajavam com um grupo de San Pedro Sula.
No sábado à noite, os restantes imigrantes lotaram o cavernoso centro social de Isla e espalharam-se pelas ruas. Dentro do centro social, geralmente reservado para casamentos e bailes, a caravana reorganizou--se como uma pequena aldeia.
Famílias dormiam em cobertores colados uns aos outros, em colchões insufláveis. Outros montaram tendas. A roupa lavada era pendurada em postes.
Maynor Chávez, um pai de 44 anos de Copan, montou uma loja debaixo de uma lona amarela, onde vendia champô, chupa-chupas e cigarros, que comprou com dinheiro doado ao longo do caminho.
Na Rua Venustiano Carranza, alguns moradores com as casas ainda decoradas para o Dia dos Mortos deixaram os imigrantes dormirem nos seus pátios ou tomarem banho. O ar encheu-se de sons de cães a ladrar e crianças a chorar.
Horas depois, foram-se embora.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post