Helena Roseta, uma das nossas

Quando uma pessoa se erige em figura capaz de representar um grupo tão diferente de pessoas — como é o caso de Helena Roseta — é porque conquistou o terreno do bom senso. Sinto que o trabalho da deputada terá de ser continuado por todos nós.

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Helena Roseta Miguel Manso

Soa o telefone e, do outro lado, oiço a voz da Dona Fátima, proprietária de uma ilha que pretendemos pôr no mercado de rendas acessíveis e que hoje não parece particularmente preocupada com o caso dela. A notícia que acabou de entrar em casa não lhe sai da cabeça. "Se não a tivesse ouvido falar e conhecido naquela sessão em Campanhã, seria só mais uma notícia. Mas depois de a ter ouvido e conhecido, esta notícia é como se nos tivessem tirado o tapete." Conheceu-a numa conversa que organizámos há já uns meses. Era dia de jogo e, à hora do mesmo, o MIRA estava cheio para falar sobre habitação acessível. A Dona Fátima, “da Universidade da Vida”, estava eufórica e até levou rissóis. Quando terminou a sessão, pegou nas mãos da arquitecta e, olhos nos olhos, disse-lhe: “É de gente como você que precisamos.”

Abro o email e encontro uma mensagem de uma colega do grupo de investigação que integro na FAUP. “Roseta demite-se” como título e o link da notícia como conteúdo. Como quem tem pudor de dizer mais. No dia a seguir, outro email mais composto. “Helena Roseta” como título e com uma proposta de nota de posição pública do grupo, com um conjunto de palavras-chave. “Melhoria da qualidade de vida”, “Direito à Habitação”, “Lei de Bases”, ”Regulação”, “Receios e ansiedades da sociedade.” Respondem outros investigadores, também preocupados com a notícia. Com alguns deles fui à Universidade Nova de Lisboa, aquando do lançamento da Nova Geração de Políticas de Habitação, com o intuito de dar alguns contributos ao texto: 14 pessoas fizeram intervenções individuais, todas elas completadas pela deputada. “A Helena Roseta sabe tudo”, digo eu, na brincadeira, desde esse dia.

Chego ao workshop “Arquitectos de Família”, onde 14 estudantes da FAUP se empenham em desenhar um projecto para uma ilha, que será posteriormente materializado pela junta de freguesia. “Agora sem a Roseta já podemos dizer adeus ao primeiro direito”, diz Fernando, o revolucionário do grupo, sobre o programa-promessa da Nova Geração de Políticas de Habitação. Há gente de todas as cores e ideologias neste grupo, que tem como único ponto em comum “aprender sendo úteis”. Na sessão da manhã falámos sobre a responsabilidade de sermos profissionais. O activismo não é gritar mais, nem organizar mais manifestações, nem pintar mais cartazes. O activismo é, creio, fazer bem o nosso trabalho, a pensar no bem comum, mesmo quando os regulamentos, os financiamentos, a escassez de recursos e a vida a preto e branco o impedem. “Ajudem-nos a sermos outro tipo de arquitectos”, parecem pedir os estudantes.

Já no caminho para casa, cruzo-me com os donos do “meu” café. Andam às voltas com o arrendamento do espaço (30 metros quadrados) que o senhorio pretende aumentar (de 350 para 2000 euros por mês). “Então, já foi o julgamento?”, pergunto. “Ó arquitecto, já viu o que fizeram à Helena Roseta?” Foi tudo o que obtive por resposta. A conversa hoje não é sobre a situação (dramática) deles. A conversa é outra. “O que se passa com esta sociedade, por que não nos representam?”, dizem eles. “Uma das nossas”, penso eu. Não nossos da esquerda nem da direita, nem proprietários nem arrendatários, nem profissionais nem clientes, nem políticos nem votantes; nem revolucionários nem reformistas (nem portugueses nem espanhóis). Quando uma pessoa se erige em figura capaz de representar um grupo tão diferente de pessoas é porque conquistou o terreno do bom senso.

Já vemos pelo mundo fora o que se passa quando este terreno se abandona. Hoje, sinto que o trabalho da deputada terá de ser continuado por todos nós.

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