Igualdade por decreto
A coesão e o desenvolvimento da sociedade portuguesa beneficiaria de uma distribuição do rendimento mais equitativa. No entanto, a proposta do BE para impor um teto salarial aos CEO's não contribuiria para esse desiderato.
Quem são os assalariados mais bem pagos em Portugal? À semelhança do que acontece na generalidade dos países ocidentais, entre os mais bem pagos estão as “estrelas” do desporto e do espetáculo, e os CEOs das grandes empresas cotadas.
A segunda questão que se coloca quando se discutem os elevados salários dos CEOs e gestores é a da razão para as empresas pagarem salários que são muitas vezes superiores a cem vezes o salário do trabalhador com menor remuneração. Uma primeira razão assenta no facto do talento requerido para gerir uma grande empresa, ou para jogar num clube de topo, ser um bem escasso. Poucas pessoas possuem as competências necessárias para gerir uma empresa com sucesso ou jogar ao mais alto nível. Assim, as empresas que procuram estes profissionais estão dispostas a pagar verdadeiras fortunas. Este é um bom exemplo de que em situações em que a oferta é escassa, e rígida, o curto prazo, é a procura que determina o preço.
Mas o jogo entre a oferta e a procura não é o fim da discussão. No caso do desporto, as entidades envolvidas têm um grande incentivo para limitar o salário das superestrelas. Não só para manterem o nível competitivo entre as equipas, mas também para limitarem os gastos com os jogadores. Apesar de serem escassos os exemplos de imposição de um teto salarial, o caso da NBA é muito curioso: o contrato coletivo de trabalho que regula os salários dos jogadores permite um sistema de redistribuição de ganhos de tal forma que o rácio entre o salário do jogador mais bem pago e o do jogador menos bem pago é inferior a 20. Ou seja, este sistema limita os gastos das equipas em superestrelas, canalizando mais recursos para a contratação de jogadores de qualidade intermédia (se é que podemos chamar assim à qualidade de qualquer jogador da NBA…), aumentando as possibilidades de sucesso às equipas com menor capacidade financeira e reduzindo a desigualdade salarial dentro da equipa.
Seria tentador replicar o exemplo da NBA para o mercado dos CEOs e gestores. A recente proposta do Bloco de Esquerda, chumbada na passada sexta-feira na Assembleia da República, ia nesse sentido, ao pretender estabelecer leques salariais de referência como mecanismo de combate à desigualdade salarial. A proposta não indicava quais os leques de referência, remetendo para uma portaria a definir pelo governo. Adicionalmente, o BE propunha que o leque salarial fosse aplicado a empresas (com 10 ou mais trabalhadores) do setor público, mas também às empresas do setor privado que tenham uma relação com o Estado “em termos de concursos públicos, apoios no âmbito de políticas públicas e benefícios fiscais”. Por exemplo, a ser aprovada, a proposta do BE excluiria da contratação pública empresas como a EDP, a GALP ou os CTT, caso a disparidade salarial fosse, por exemplo, superior a 25.
Uma avaliação desta proposta deveria centrar-se na seguinte questão: caso seja plenamente aplicada, o limite de remunerações para os gestores irá contribuir para diminuir a desigualdade de rendimentos em Portugal?
Em primeiro lugar, este mercado tem características muito diferentes da NBA. O número de empresas não é limitado em termos geográficos ou de quantidade, como a NBA. O mercado de gestores e CEOs é internacional, ou seja, o estabelecimento de regras limitadores da compensação dos gestores num país em concreto colocaria as suas empresas numa situação de desvantagem face a concorrentes de outros países. A não ser que houvesse um contrato coletivo global para gestores, iniciativas de âmbito nacional estariam condenadas ao fracasso.
Por outro lado, para as equipas da NBA a busca do lucro não é único objetivo. O êxito desportivo será tanto ou mais relevante que o retorno financeiro. Já numa empresa cotada, o objetivo de maximizar o lucro ou o crescimento a médio e longo prazo sobrepõem-se a outras dimensões. Ou seja, será difícil de antever que a fixação de um salário máximo aos gestores se traduza numa melhoria salarial dos restantes trabalhadores. O mais natural é que menores gastos com gestores se traduza num primeiro momento numa transferência direta para o acionista: limitar a remuneração de Pedro Soares dos Santos, CEO do grupo Jerónimo Martins (JM) onde a distância entre o salário mais alto e o salário médio chega a ser superior a 100 vezes, iria beneficiar em primeiro lugar os lucros da JM, ou seja, aumentar a fortuna de Alexandre Soares dos Santos, pai do CEO e seu principal acionista.
Há outros aspetos de natureza prática que implicam a rejeição imediata desta proposta. A definição de um leque salarial não discrimina por tipo de profissão. Ou seja, os clubes da primeira liga de futebol deixariam de poder contratar os seus melhores jogadores, comprometendo a participação nas provas europeias. Por outro lado, as empresas facilmente encontrariam formas de contornar a legislação através do recurso a compensações, na forma de bónus ou participações sociais, cujo recebimento pelo gestor poderia acontecer, por exemplo, no final do contrato.
Por fim, a medida proposta apenas incide sobre uma reduzida componente da desigualdade de rendimentos, ao limitar-se à desigualdade remuneratória e intraempresa. Ora para combater a desigualdade de rendimentos seria mais importante, por exemplo, alcançar uma repartição do produto entre remunerações do trabalho e de capital menos desigual. Enquanto o salário e as prestações sociais são as principais componentes do rendimento das famílias com menores recursos económicos, os juros, os lucros e as rendas são as principais fontes de rendimento das famílias mais ricas. Limitar os salários dentro de cada empresa pode reduzir a desigualdade dentro de cada empresa, mas não seria tão eficaz na redução da desigualdade salarial entre trabalhadores de diferentes empresas.
Em suma, não há dúvidas que a coesão e o desenvolvimento da sociedade portuguesa beneficiaria de uma distribuição do rendimento mais equitativa. No entanto, a proposta do BE para impor um teto salarial aos CEO's não contribuiria para esse desiderato.
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
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