Duplo Espaço: o atelier de Tiago Mourão

Laura Sequeira Falé gosta de ateliers e mostra-os no blogue Duplo Espaço. Desta vez, visitou o atelier de Tiago Mourão.

Foto
Laura Sequeira Falé

Conheci o trabalho do Tiago Mourão (Lisboa, 1987) há cerca de quatro anos, mas nunca tínhamos conversado. Encontrámo-nos no Martim Moniz, em Lisboa, onde fica o seu atelier, num dia particularmente quente e chuvoso.

Foto

O atelier do Tiago fica num terceiro andar de um prédio que passa despercebido. Quando se entra dentro da divisão ampla, o espaço divide-se em cinco zonas de trabalho pouco delimitadas. Raramente os horários dos três artistas coincidem, mas quando isso acontece o Tiago sente que beneficia da presença dos outros pintores, apesar dos trabalhos serem bastante diferentes.

O Tiago é tímido e, apesar da conversa se ir soltando com o passar do tempo, nunca perde a postura rígida e atenta. Nunca diz uma palavra a mais, fala o estritamente necessário para responder a perguntas e não se deixa afectar por eventuais silêncios que vão surgindo. Os seus trabalhos também são assim: tão meticulosos e definidos que parecem pertencer a um mundo possível ao qual só temos acesso através da sua pintura.

A sensação que temos quando estamos no seu atelier, no meio das suas pinturas, é a de que estamos rodeados de objectos que conhecemos mas dos quais ainda não sabemos os nomes. A sensação de filme de ficção científica dada pelos seus trabalhos é explicada quando o Tiago esclarece que utiliza objectos do quotidiano como modelos do que pinta. Muda-lhes a textura, a cor ou a escala e, ao descontextualizá-los, sobra a impressão de que conhecemos aquelas paisagens de algum lado, só não sabemos bem de onde.

Foto

O próprio espaço de trabalho também transmite essa sensação de pertença estranha, como se perdêssemos a referência de onde estamos. Além de pintor, o Tiago trabalha no Museu Berardo, em Belém, e vive do outro lado do Tejo, em Almada. Apesar de lhe tirar tempo de trabalho no atelier, o trabalho fora de casa e fora daquilo que pinta dá-lhe mais ritmo e faz com que pinte, paradoxalmente, mais depressa do que se só se ocupasse da pintura. Antigamente criava grandes obsessões à volta de cada quadro que nunca lhe parecia terminado. Uma pincelada a mais podia estragar o trabalho de meses. Agora é diferente: afirma que, como tem menos tempo, não se pode dar ao luxo de querer atingir a perfeição, caso contrário o seu trabalho não se desenvolveria.

Não é fácil viver praticamente em três sítios ao mesmo tempo, mas é dessa disciplina que se tem alimentado. Sendo tão reservado acerca da sua vida pessoal e da sua imagem — nunca partilha fotografias suas ou do que lhe vai acontecendo — perguntei-lhe como é que as pessoas vinham ao seu encontro. O Tiago respondeu-me que vai acontecendo: por vezes há gente que visita o seu atelier e que se interessa pelo seu trabalho, além de que agora é representado pela MCO Arte Contemporânea, no Porto.

Apesar da localização, este atelier é silencioso. O Tiago costuma ouvir música enquanto trabalha e a verdade é que tal ressoa no espaço. Por vezes, títulos ou excertos de músicas transformam-se em títulos de exposições ou de trabalhos, como é o caso de The Grass is Greener On The Other Side.

Foto

Ao longo da nossa conversa fui sentindo que estava cada vez mais dentro de uma bolha, como se estivesse dentro de uma pintura sua. É fácil estabelecer uma ligação com o Tiago porque ele consegue ultrapassar a conversa de circunstância e focar-se naquilo que quer realmente dizer, que é também o que acontece com o seu trabalho. À medida que a conversa foi descomprimindo, o Tiago falou-me sobre por que começou a pintar o fundo sempre de preto. Teve um grande desgosto e só lhe apetecia esta cor. Quando olhou, percebeu que do desgosto tinha saído uma descoberta: as cores vibravam mais sobre a base preta e davam-lhe a aura que ele procurava. Passada a tristeza, as bases mantiveram-se negras.

Sugerir correcção
Comentar