Gaia está de avental no palco. Os gestos atarefados abrem uma torneira no ar, lavam, cortam, cozinham. Adão, de fato e gravata, chega a casa esfomeado. Há tanto trabalho para fazer, tantos negócios e contratos que estão à espera dele. “Tens cada vez mais fome!”, diz Gaia, apressando-se na cozinha. Risos na plateia. Adão devora a comida feita de ar e quanto mais devora, mais grita: “Mais! Mais! Quero mais!” O silêncio espalha-se na audiência. Gaia, consumida de tanto trabalhar e servir, desmaia no palco.
A cena, protagonizada pelo grupo de teatro científico de Freiburg, ilustra como a Terra e os seus recursos estão ao serviço da economia. Como reformular a economia de forma a não explorar pessoas nem a Terra é uma das questões levantadas pelo movimento do decrescimento. A peça de teatro foi uma das mais de 100 sessões paralelas da 6.ª Conferência Internacional de Decrescimento (degrowth, em inglês). Única no meio académico ao reunir não só investigadores de áreas diversas (economia, ciências ambientais e sociais, geografia), mas também artistas, activistas e organizações não-governamentais.
O que é o decrescimento?
O decrescimento defende que o crescimento económico não pode ser o principal objectivo das nossas sociedades — e propõe alternativas. Aumentar o PIB implica mais produção e mais consumo, o que leva a maior uso de recursos, mais emissões e mais poluição. Mas, no Sul da Europa, sabemos amargamente o que acontece quando a economia não cresce. Um sistema económico assente em dívida precisa de crescer para poder pagar a dívida e precisa de dívida para crescer. Tal serpente que se come a si própria. Desentrelaçar a sociedade de um sistema económico viciado em crescimento e dívida requer transformações profundas a muitos níveis, para assegurar o bem-estar de todos e, ao mesmo tempo, reduzir a escala de produção e consumo para níveis sustentáveis.
Pensar, criar e viver alternativas
O decrescimento tem muitas dimensões. Apela a mudanças individuais, a experiências colectivas, a resistir, a desenvolver projectos políticos, disseminando diferentes ideias de organização da sociedade. Ideias como a redução das horas de trabalho, o rendimento mínimo garantido — que faz as bocas do mundo —, ou o rendimento máximo. Se parece uma ideia radical, é bom saber que na prática algo semelhante já existiu. Até aos anos 80, nos EUA e em alguns países europeus, os impostos chegaram a ser 70% para os salários mais elevados. Durante a Segunda Guerra Mundial, nos EUA, até chegaram aos 94%.
Limitar salários é uma forma de reduzir desigualdades, de reduzir consumo insustentável e especulação e de repensar a sociedade. O que é preciso para uma vida digna e que nos preencha? Hoje em dia, os empregos em que menos se contribui para a sociedade são dos melhor remunerados, como as consultorias fiscais para fugir aos impostos legalmente. Por outro lado, os trabalhos mais importantes são dos pior remunerados, como as limpezas ou a agricultura. Faz sentido?
A importância das ideias
Num plenário, alguém cita Milton Friedmann. Ele disse que “só uma crise, real ou imaginada, produz mudança a sério. As acções que são tomadas durante uma crise dependem das ideias que existem nessa altura. É essa a nossa função, desenvolver alternativas às políticas actuais e mantê-las disponíveis, até ao politicamente impossível se tornar politicamente inevitável”. Os neoliberais foram muito bem sucedidos. Devíamos aprender com eles para dar outra reviravolta às nossas sociedades, mas desta vez representando os interesses do planeta e da maior parte da humanidade.