O populismo mata
O que está a matar os refugiados no Mediterrâneo é o populismo e o crime. Do lado africano, os maiores culpados são os criminosos que traficam corpos como se fossem mercadoria sem valor. Do lado europeu, é o discurso populista dos líderes de esquerda e de direita que buscam ganhos de curto prazo agitando o medo face aos estrangeiros.
Em Itália, um navio devolveu à Líbia mais de cem imigrantes recolhidos em águas internacionais, num claro desvio à lei internacional. E isto ao mesmo tempo em que os líderes protofascistas do novo Governo de Roma facilitam uma vaga de ataques racistas um pouco por todo o país.
Já em Espanha, Pablo Casado, o novo líder do Partido Popular espanhol, fez questão de começar o seu mandato alinhando com o discurso vulgar e populista de Órban, primeiro-ministro húngaro, e seus amigos. É pena que o tenha feito. Ao agitar o fantasma da chegada de “milhões de imigrantes” e a “defesa das fronteiras”, pode ter ganho notoriedade, mas teve um discurso ao nível de um líder de uma sociedade feudal dos idos de 1300.
Com a investigação do Parlamento britânico descobriu-se que já na campanha do “Brexit” um dos argumentos mais populares a favor da saída da União Europeia foi a iminente “entrega de vistos aos 75 milhões de turcos”, algo que revela uma reacção própria do tempo das cruzadas.
E nem sequer interessa que uma das vítimas dos ataques racistas em Itália tenha sido uma atleta italiana. Ou que os pedidos de asilo em Espanha se reduzam a menos de 20 mil por ano. Ou que Bruxelas nunca tenha sequer considerado a hipótese de abrir as fronteiras à Turquia. Os factos valem pouco, quando o que interessa é agitar emoções. E estamos em tempos de indignação – em que se empunham facilmente as forquilhas virtuais para discutir nas redes sociais, ampliando o discurso de ódio e propagando ainda mais a ignorância.
Estes discursos revelam mais do que as necessidades de ganhos de curto prazo. Revelam o desprezo pelo espaço público e pela comunidade que estes políticos devem servir. Quando à verdade se sobrepõe a demagogia, a democracia está em risco e a política morre mais um bocadinho.
Se estes políticos querem reforçar as fronteiras, que se preocupem em construir uma União Europeia mais forte – porque é garantido que não será a fronteira em Melilla ou a costa escarpada da Sardenha que vão, por si só, impedir de existir o problema dos imigrantes. Se o querem resolver, ajudem a criar uma política verdadeiramente continental e parem de bloquear os esforços para o conseguir. Mas isso exigiria postura de Estado, algo que neste momento não abunda na Europa.