Património e civilização
Uma rara parceria entre poderes públicos e investidores privados vai ajudar a preservar património histórico da língua portuguesa.
A notícia de que são empresários portugueses na diáspora a investir para preservar um importante espólio cultural no Brasil é importante a vários níveis. Em primeiro lugar pelo que significa em termos de salvação de património cultural: primeiras edições de Camões, Pessoa, Vieira e Camilo não abundam pelo mundo, menos ainda estando acompanhadas de cartas originais de marear do tempo da expansão ultramarina e de outros documentos originais da cultura lusófona. Em segundo lugar, pela inteligência das soluções encontradas para o investimento necessário: fazer coincidir o voluntarismo do sector privado com a disponibilidade do erário público é coisa rara em Portugal, mais ainda na área da cultura. Por fim, pelo que isto significa em termos de projecção cultural da língua: a digitalização poderá tornar este património acessível a investigadores em qualquer parte do mundo, aumentando a sua notoriedade e relevância.
Os Reais Gabinetes de Leitura do Rio de Janeiro, de Salvador e de Belém têm um espólio notável que estava a necessitar urgentemente de preservação – e que com esta acção devem ter garantido a respectiva sobrevivência. Mais do que isso, a digitalização multiplica o seu impacto potencial e ajuda ao aumento do relevo da língua portuguesa na biblioteca de conhecimento global.
É muito positivo que surjam notas de filantropia e empreendedorismo vindas da diáspora. Num país com défice de ambos, saúda-se o empenho determinado dos empresários portugueses e luso-descendentes e o apoio do secretário de Estado das Comunidades para conseguir algo raro: a preservação da cultura e da língua portuguesa fora das nossas fronteiras, num projecto que tem impacto global e de longo prazo.
Há muito património de origem portuguesa no Brasil, bem como noutros pontos da lusofonia e em muitos outros destinos que os portugueses pisaram. Vários estão identificados por investigadores que têm dedicado a vida a esse levantamento e cujo trabalho é honrado com estes esforços. Para lá das polémicas da escravatura e do colonialismo, importa preservar as memórias e torná-las acessíveis a todos, para que possam ser estudadas, entendidas e discutidas. Civilização também é isto.