Em 1411, Dom João I concedeu a carta para realização de uma feira anual na Covilhã, por altura do Santiago, com a duração de 20 dias. O evento principiava dez dias antes e findava dez dias após a celebração do canonizado. Realizava-se originalmente no adro da Igreja de Santiago e os comerciantes negociavam produtos dos lanifícios e artigos regionais.
Ao longo dos anos, a Feira de Santiago tolerou variações quanto ao tempo e ao lugar da sua realização. Foi dos arredores da igreja ao Jardim Público e do Jardim Público ao Campo das Festas. Regressou ao Jardim Público, alongando-se pela avenida Frei Heitor Pinto, e subiu novamente ao Campo das Festas. Desceu à zona da ANIL e foi parar ao Complexo Desportivo. Os relatos datados indicam altos e baixos na sua concretização. Ainda assim, continua a ser uma realidade.
Chegamos a 2018. A Feira de Santiago (ou São Tiago) completa 607 anos de uma presença errática, mas persistente. Apesar de terem surgido pequenos focos de contestação na última década, nunca se conduziu o debate à praça pública. O avanço das novas tecnologias criou um novo espaço de discussão: as redes sociais. É lá que os covilhanenses têm partilhado a sua opinião. Na presente edição, o executivo municipal determinou uma taxa de entrada nos dias em que o certame recebe artistas nacionais. Não pretendo avaliar as habilidades dos músicos convidados, tampouco a estimativa de custos associada. Cada qual sabe do que gosta e a Câmara Municipal da Covilhã deve saber o que gasta. Compete-me, covilhanense nascido e criado, putativo freguês do evento, medir a qualidade da Feira de Santiago e reservar-me o direito de opinar sobre a matéria.
Não se pode criticar o executivo municipal porque decidiu taxar a feira em dias de concerto. É uma visão redutora e ardilosa. O cidadão deve compreender que lhe podem, e devem, ser imputados custos associados a um produto/serviço diferenciado. Exemplo: goste-se ou não de Mickael Carreira (e a julgar pelas fotografias do evento, há quem goste), a prestação de serviços do indivíduo tem uma importância financeira dependente. É preciso pagar-lhe (acreditem ou não).
Não. O único equívoco do executivo municipal nesta matéria foi o de colocar todos os covilhanenses no mesmo saco. Obrigar alguém que não gosta da música de Mickael Carreira a remunerar o tipo, quando só pretendia comer uma fartura e andar no carrossel.
A Feira de Santiago carece de um rumo estudado, estruturado, inovador, definido e categórico. Não vê somente quem não quer ver. Vejam-se os casos paradigmáticos de Viseu e Cantanhede. A Feira de São Mateus é co-organizada pela Viseu Marca — associação de marketing territorial e de branding de Viseu — e patrocinada por bancos e marcas, com uma rádio como media partner. E a Feira de Santiago?
A Expofacic, em Catanhede, é co-organizada pela INOVA — Empresa de Desenvolvimento Económico e Social de Cantanhede e patrocinada por bancos e marcas, com uma rádio e uma televisão como media partners. E a Feira de Santiago?
Ambas as feiras têm um suporte institucional inabalável. O projecto é estruturado, A organização é exímia. O sucesso é uma consequência.
Na Covilhã, a Feira de Santiago sobrevive há décadas sem estratégia definida. Urge alterar o rumo baldio que tomou. É essencial estudar os casos de sucesso e suplantá-los. Elaborar um plano estratégico e colocar a Feira de Santiago no lugar que merece e que lhe pertence pela sua longevidade histórica. O relógio está a contar. Se perdermos mais tempo, na celebração da 608.ª edição estaremos a apropriar-nos da citação de Karen Lumb, e a “desejar ter começado hoje”.