“Não somos genericamente racistas, temos é casos demais...”
Em Portugal ainda hoje glorificam-se atos e pessoas racistas e colonialistas.
Recentemente, numa entrevista, disse o senhor alto-comissário das Migrações: “Os portugueses não são genericamente racistas.” “Acho, ainda assim, que os casos que temos em Portugal são pontuais.”
Este excerto é paradigmático da ideologia vigente, principalmente quando falamos do também presidente da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), defensor de uma alteração à lei que (des)criminaliza o racismo em Portugal por esta se ter mostrado ineficiente.
Não só a questão do racismo que não tem que ver com sermos ou não “genericamente racistas”, como os casos não são assim tão “pontuais”.
Portugal é um país historicamente racista, que começou por uma organização social, política e económica de orientação racista, sendo seus exemplos: o antissemitismo do tempo da Inquisição, a escravatura do período colonial, o estatuto do indigenato que perdurou no Estado Novo, até ao clássico e sempre atual anticiganismo, isto só para citar alguns.
Em atos de discriminação, no historial recente, houve um aumento das queixas feitas chegar à CICDR.
Só em casos mediatizados tivemos: o caso das agressões a Nicol Quinayas, no Porto, mencionado na entrevista; o das agressões na esquadra de Alfragide já em julgamento (com novo processo ainda por julgar); bem como o caso de Santo Aleixo da Restauração.
Outros menos mediatizados, como: as constantes violações ao direito à habitação condigna com as demolições de habitações próprias sem alternativa, passando pela colonial (e sempre atual) segregação habitacional das populações ciganas, negras e migrantes, o disparo à queima-roupa sobre um cigano (na cara), quando este foi pedir trabalho numa terra explorada por agentes da PSP que vieram a tentar encobrir o crime do colega e ocultar o seguimento do caso para o IGAI, o caso de Portimão em que crianças ciganas eram forçadas a comer em último lugar, partilhando o almoço entre si, de pé junto ao lixo; ou ainda o caso das agressões a alunas ciganas por um professor numa escola do Seixal.
Até aos que nunca chegaram a ser mediatizados, como o caso numa escola básica em que uma criança cigana de 6 anos é posta a comer no chão, enquanto os colegas comem sentados à mesa, as incursões intimidatórias num bairro camarário de Lisboa, em que agentes da PSP ameaçam mulheres ciganas do interior das carrinhas, as agressões a jovens negros nas discotecas e até o caso “mais soft” da Câmara Municipal de Estremoz ou de uma marisqueira que recusa explicitamente clientes ciganos, o que, contudo, não é caso único (só na altura deste caso houve outros dois a ser disseminado nas redes sociais).
Não são meros “casos pontuais”, ocorrem recorrentemente, de norte a sul do país, em qualquer altura do ano, e constantemente. E, acima de tudo, não são corrigidos nem recebem resposta rápida e eficiente dos órgãos responsáveis.
O racismo em Portugal é estrutural e institucional, não se reduzindo a uma questão de “calharmos a ter pessoas racistas ou xenófobas aqui ou ali”. Em Portugal as próprias instituições têm um funcionamento racista: autarquias, forças de segurança, institutos da segurança social, media, levando a um desfavorecimento sistemático de populações racializadas não brancas.
Há toda uma impunidade sistemática ante violações e abusos de poder, chegando a haver mesmo orientações explicitamente racistas. Olhemos para a Justiça e vejamos qual a taxa de condenação para uns e de absolvição para outros. Olhemos para a habitação e vejamos qual a realidade da maioria das diferentes populações.
Em Portugal ainda hoje glorificam-se atos e pessoas racistas e colonialistas, em detrimento de atos e de pessoas que mereciam muito mais a distinção e admiração do país.
O racismo é político, além de “social”.
Negar o Racismo, é ser seu cúmplice. Enquanto Portugal continuar com esta atitude negacionista e a recusa imatura em reconhecer os aspetos brancos e real dimensão do Racismo na sua história e no Presente, não poderá ultrapassar o seu legado histórico. E com isso perde toda a gente.