20 anos de política alimentar em Portugal e os novos desafios da sociedade de informação

O aparecimento em força dos meios digitais e do nutricionista e cidadão como produtor de informação trazem novos desafios.

No ano letivo de 1997, iniciou-se oficialmente, na Universidade do Porto e na sua Faculdade de Nutrição, o ensino da área disciplinar de política nutricional. A política nutricional, como área central da formação do Nutricionista, foi na altura uma proposta ousada, na medida em que projetava o ensino da nutrição para fora da sua área de conforto. Ou seja, como se dizia na altura e hoje continuamos a dizer: “Para além das questões nutricionais, a oferta e procura de alimentos rege-se por diferentes forças que condicionam o mercado, podendo citar, entre elas, a produção alimentar e políticas agrícolas, estratégias de distribuição, de promoção e preços.” Compreender o impacto destes fatores, e transformá-los em oportunidades de melhoria do estado nutricional das populações, foi preocupação central desta área disciplinar. Pretende-se, pois, que os estudantes adquiram competências de gestão e liderança que lhes permitam desenvolver e implementar um conjunto concertado e transversal de ações destinadas a garantir e incentivar a disponibilidade e o acesso a determinado tipo de alimentos, com foco na melhoria do estado nutricional e na promoção da saúde da população.

Este modelo de ensino e o pensamento sobre esta área tem, ao longo destes 20 anos, sofrido mudanças enormes. Sem ser muito fastidioso, crescemos sobre a sombra tutelar de dois grandes pensadores de nível europeu nesta área, Francisco Gonçalves Ferreira e Emílio Peres, que modelaram o nosso pensamento até aos anos 90. Já no séc. XXI, debaixo da expressão “ambiente obesogénico” e de pensadores como Tim Lobstein e Philip James, cresce a discussão e “politização” da intervenção comunitária na área da alimentação, onde a Comissão Europeia também participa. É neste ambiente que Portugal dá os primeiros passos no sentido da criação de uma estratégia alimentar integrada, primeiro no combate à obesidade e, mais tarde e a partir de 2012, na Direção-Geral da Saúde, através do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) e com ferramentas sólidas que o permitem, como o Inquérito Alimentar Nacional.

Apesar destas boas notícias e deste fervilhar intelectual e de ação, a sociedade de informação e o aparecimento em força dos meios digitais e do nutricionista e cidadão como produtor de informação trazem novos desafios. Nomeadamente, o da utilização desta capacidade para a criação de notícias falsas, para a promoção de modelos de consumo dependentes do imediatismo científico e para a promoção de interesses comerciais e mediáticos numa linha abaixo da perceção pública e que é dificilmente detetável. Uma área que foi o foco de discussão no I Congresso Internacional de Nutrição e Alimentação da Associação Portuguesa de Nutrição, e onde são cada vez mais necessárias as ferramentas de escrutínio, o jornalismo científico de qualidade e as ilhas de isenção pública como a DGS ou as universidades.

Novos desafios, mas também tempos aliciantes para a política alimentar e nutricional em Portugal e para todos os profissionais que trabalham nesta área apaixonante.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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