“Este é o acordo de concertação mais à esquerda desde os anos 80”

João Galamba não vê razões para PCP e BE votarem contra o acordo de concertação. E garante que Costa não quer governar à esquerda e à direita. Mas avisa que “negociar com PSD e CDS não é pecado”.

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João Galamba fala sobre recandidatura de Marcelo Rui Gaudêncio

António Costa “sabe que tem que se ter sempre parceiros prioritários para determinadas matérias, garante o deputado socialista, em entrevista ao PÚBLICO e Renascença (onde passa às 12h00).

Relativamente ao acordo de concertação social, revê-se nele?
Revejo-me. É uma grande conquista deste Governo e do ministro Vieira da Silva.

O PS anunciou que fará propostas de alteração na AR. O presidente da CIP avançou que se o acordo for alterado, deixa de haver acordo. Que tipo de alterações acha que devem ser propostas? E negociadas com quem?
O PS entende é que o acordo é muito positivo: conseguir um acordo de combate à precariedade que é um dos acordos mais à esquerda desde os anos 80 em concertação social, com o apoio das confederações patronais, é um feito. Ter as confederações patronais ao lado do Governo na luta contra a precariedade é um activo interno e externo para o país - torna-se muito mais difícil ao FMI, Comissão Europeia e OCDE criticar o Governo português, mesmo quando defendem um caminho diferente, a liberalização do despedimento individual. O objectivo do PS é reafirmar os princípios gerais do acordo, melhorando normas no sentido de clarificar a sua aplicação e evitar algum abuso.

Em que pontos?
Nomeadamente na questão do alargamento do prazo experimental: garantir que é mesmo um alargamento e não uma nova modalidade de contrato a prazo de seis meses, com menos direitos que o contrato de seis meses que já existe.

É mais importante ter os patrões neste acordo do que ter os parceiros de esquerda a aprová-lo?
O que importa é o conteúdo do acordo. Havendo um conteúdo que tradicionalmente seria rejeitado pelas confederações patronais... eu dou grande importância ao facto de todas elas terem assinado. Repito: é o acordo mais à esquerda desde... os anos 90 seguramente, talvez até anos 80. É evidente que quantos mais partidos apoiarem este acordo, melhor. Não vejo nenhuma razão para o BE e PCP votarem contra um acordo que combate a precariedade, embora fique aquém das pretensões desses partidos, constitui de forma inequívoca um avanço, um reforço dos direitos laborais. Um acordo que melhora a vida dos trabalhadores nunca mereceu a oposição do PCP e BE nesta legislatura.

Com divergências tão fortes na frente laboral, na educação e na Saúde, vê margem para negociar um segundo acordo com BE e/ou PCP na próxima legislatura?
Este acordo está praticamente todo cumprido. Mas o programa que lhe subjaz, a ideia de progresso social e de demonstrar que é possível viver e trabalhar em condições em Portugal, esse projecto não está nem estará esgotado. E é em torno dele que entendo que serão sempre possíveis acordos futuros. Obviamente isso depende sempre da vontade entre as partes. Espero que essa vontade exista, não há razão para que não exista do lado do PS - eu sei que ela existe.

Acha que existe do lado do primeiro-ministro [PM]?
Existe e já o reafirmou mais do que uma vez.

Muitos têm assinalado que o PM, no discurso do fim do congresso e com os acordos com o PSD, tem sinalizado um reposicionamento do PS para permitir gerir a próxima legislatura de forma mais flexível
Não concordo. Aliás, se há coisa que o PM sabe é que gerir de forma mais flexível é garantir que não se gere nada. Tem de se ter sempre parceiros prioritários para determinadas matérias. Nenhuma negociação pode avançar com seriedade se não tivermos bem definidos quais são os nossos princípios e quem são os nossos parceiros privilegiados na discussão em torno desses princípios. Isso não significa que se crie uma linha Maginot à esquerda e que todo e todo e qualquer diálogo com PSD e CDS seja visto como pecado. As matérias que o PS negociou com o PSD vinham no programa eleitoral. A ter havido alguma inflexão foi do PSD, que se aproximou do PS. O PS, nesta matéria, não saiu do sítio.

Não imagina, portanto, que depois desta legislatura se volte a uma possibilidade de negociar um pouco "à Guterres"?
As negociações serão as que forem possíveis fazer. As que eu gostava que fossem prioritárias, e que gostava que chegassem a bom porto, sobretudo dependem da disponibilidade e vontade [do BE e PCP]. Nunca foi pelo PS que não chegámos a acordo no passado.

O PS devia convidar PCP e BE para entrarem no Governo?
Penso que é prematuro. Não sabemos os resultados das eleições, não há sequer o início de um processo negocial em torno de uma próxima solução governativa.

Acha que Costa devia convidar Mário Centeno para ser o próximo comissário europeu português?
Essa é uma prerrogativa do PM, que deixarei ao PM.

Ele tem sido um bom presidente do Eurogrupo?
Acho que tem tentado... tem mudado o tom e a linha seguida pelo seu antecessor e só isso já é bastante positivo. Ainda está no início, veremos como decorrem as negociações. Mas até agora parece-me que tem tido uma actuação positiva.

E acha que o Eurogrupo mudou Centeno?
Adquiriu responsabilidades que não tinha, num certo sentido terá evoluído - mas não mudado.

Acredita que avance uma reforma da zona euro?
Gostava de acreditar, mas tenho muitas dúvidas de que seja possível. Porque as posições de determinados países, apesar de pequeníssimas mudanças - simbolicamente importantes, mas materialmente irrelevantes... No novo acordo da Alemanha com França, acompanho as palavras de Vítor Constâncio no Twitter: "As propostas de Macron e Merkel para a zona euro are not fit for purpose".

Só para terminar: o PS deve apoiar a recandidatura de Marcelo?
Acho que o PS, como sempre aconteceu, deve apresentar um candidato próprio. Ainda estamos bastante longe das presidenciais, mas não vejo nenhuma razão para que o PS não apresente um candidato. Isso também valoriza as presidenciais, haver múltiplos pontos de vista. E tenho a certeza de que o prof Marcelo preferiria ter adversários políticos.

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