Inovação e qualidade no ensino superior: o papel fulcral da educação a distância
Entendemos ser chegada a hora de se realizar em Portugal um debate sério sobre o papel do ensino digital como ensino de todos e para todos.
O maio de 68 suscitou uma reforma profunda do sistema universitário em França. A famosa Lei Faure (nome do então ministro da Educação, Edgar Faure), de 12 de novembro de 1968, também conhecida por Lei de Orientação, concedeu autonomia às universidades e criou novas estruturas de ensino e investigação, assim como de ligação ao exterior. Suprimiu as faculdades e criou a figura do Conselho Universitário, composto por representantes dos estudantes e trabalhadores e por personalidades externas. Promoveu ainda a multidisciplinaridade, integrando as atividades de ensino e investigação na pessoa do professor-investigador.
Segundo o artigo 1.º da referida lei, as universidades deveriam “corresponder às necessidades do país fornecendo-lhe quadros em todos os domínios” e assegurar aos estudantes “os meios para a sua orientação”, dando-lhes “não só os conhecimentos necessários mas também os elementos de formação”, através da participação ativa destes. As universidades deveriam apostar em diferentes tipos de formação, atendendo às necessidades dos estudantes, e os docentes deveriam ser capazes de colaborar uns com os outros e com os estudantes através de programas e métodos pedagógicos inovadores. Para que o imperativo de uma formação moderna e o princípio da autonomia das universidades, consagrados na lei, fossem uma realidade, o ministro da tutela, os reitores e os demais interessados deveriam proceder a consultas e debates regulares.
As novas universidades portuguesas de 1970 e 1980 incorporaram esta nova filosofia de organização, adotando, total ou parcialmente, uma estrutura departamental, um conselho científico único e, no caso da Universidade Aberta, um novo regime de ensino, a distância, apoiado num modelo pedagógico próprio.
A centralidade dos interesses do estudante e o princípio da autonomia universitária são dois princípios da Lei Faure que continuam atuais, a que acresce hoje a necessidade de as universidades serem globais. Assim, faz parte da Estratégia Europa 2020 e de outras iniciativas europeias que as instituições de ensino superior melhorem o seu desempenho, sejam mais competitivas e atraiam estudantes de todo o mundo, garantindo a qualidade dos serviços prestados.
A definição de rankings e a avaliação das universidades e dos programas de estudos são hoje duas formas mundialmente aceites de garantir a qualidade dos serviços prestados, dado que fornecem informações facilmente interpretáveis sobre a posição das instituições, estimulam a competição entre estas, sugerem aos decisores políticos razões para a afetação de recursos escassos e contribuem para a diferenciação entre instituições, programas de estudos e unidades curriculares. Tanto os rankings como a avaliação, desde que realizados por entidades independentes e sendo corretamente interpretados, permitem aferir a qualidade das instituições, exigindo-se hoje que abranjam o ensino a distância, cada vez mais importante na construção de ofertas de qualidade.
Um país que está a responder, de forma robusta, à necessidade de modernização das universidades é a Alemanha, com a “Iniciativa de Excelência” visando a criação de universidades de elite globais. Trata-se de um programa de financiamento pelo qual as universidades são desafiadas pelo poder político a definirem as suas áreas de força e o modo como pretendem tornar-se de referência global. Visa-se aumentar a competição e a diversificação do sistema universitário alemão, assim como que as universidades voltem a ser centrais na produção científica.
Esta estratégia, consensualizada pelos principais partidos alemães, ultrapassa o preconceito ideológico de que o que é das elites não é de todos, pretendendo aproveitar todo o potencial intelectual dos alemães, assim como dos estrangeiros que queiram estudar ou investigar na Alemanha, designadamente por via da educação a distância. Quase todas as universidades alemãs são públicas e financiadas de modo equivalente pelos seus estados de origem, mas não fazem parte da “primeira liga” das universidades globais, por três razões: a base de recrutamento é regional; não podem selecionar os estudantes; e não podem cobrar propinas. Para além do envolvimento do governo federal e do significativo reforço de verbas, o programa aposta na autonomia das universidades, para que sejam inovadoras.
Entre nós, o programa “Portugal 2020” pretende aumentar a transferência de conhecimento científico das universidades para as empresas e a sociedade, assim como estimular a sua internacionalização e capacidade inovadora. A questão está em saber como fazê-lo. Em 1969, num artigo publicado na revista Análise Social, Miller Guerra e Sedas Nunes, refletindo sobre a crise da Universidade portuguesa, defenderam a necessidade de uma reconversão estrutural desta que passasse pela garantia de autonomia e uma efetiva dotação de meios. Nos anos seguintes, Veiga Simão criou novas e mais modernas universidades, mas não as dotou de autonomia, o que só aconteceu após o 25 de Abril.
Ora, a autonomia das universidades em Portugal praticamente desapareceu, nomeadamente em matéria administrativa e financeira, por força do “garrote” das finanças e de tutelas enfraquecidas.
Para que as universidades públicas tenham projetos de qualidade, diferenciados e competitivos à escala global, é preciso levar a sua autonomia a sério, com o comprometimento dos órgãos de soberania e um financiamento adequado.
Como professores da Universidade Aberta, que este ano celebra o seu 30.º aniversário e sempre apostou na qualidade e na inovação, entendemos ser chegada a hora de se realizar em Portugal um debate sério sobre o papel do ensino digital como ensino de todos e para todos. Não por acaso as universidades de topo mundiais e as novas universidades de elite alemãs apostam todas na oferta de cursos online, porque sabem que essa é uma forma de modernização e de aumento da sua eficiência social. Também Portugal precisa de ter uma oferta de referência mundial e inclusiva em educação a distância, pelo que é necessário consensualizar uma estratégia no Parlamento que seja apoiada pelos demais órgãos de soberania. Essa estratégia deverá centrar-se na qualidade e inovação dos serviços prestados, de acordo com critérios que referiremos em próximo artigo, certos de que este debate tem de ocorrer e de ter consequências.
Os autores escreve segundo o novo Acordo Ortográfico