A democracia na era Facebook
Os factos são menos influentes na opinião pública que a opinião e os apelos à emoção.
Os recentes acontecimentos relacionados com o escândalo da empresa Cambridge Analytica e com as audições de Mark Zuckerberg, no Congresso dos EUA e no Parlamento Europeu, chamam a atenção para a absoluta necessidade de aprofundar a reflexão e o debate sobre o impacto da tecnologia na democracia e na sociedade em geral. Mas este é um debate em que não é raro confundir-se a tecnologia com os seus efeitos e é fundamental separar as duas lógicas.
Cada tecnologia encerra em si diferentes potencialidades, pode ser usada de várias formas e mesmo com objectivos antagónicos. E os media não são excepção. Em 1985, Neil Postman, por exemplo, alertava para os efeitos corrosivos da televisão na política, devido à propensão para o entretenimento, e hoje os social media e o Facebook em particular estão em foco por causa do uso que é feito da sua tecnologia. O Facebook recolhe e agrega as preferências políticas dos seus utilizadores e esta informação – sabe-se agora – pode ser usada para influenciar a opinião pública, ou mesmo para manipular resultados de eleições. No entanto, não só a televisão tem sido, nas últimas décadas, um influente agente de socialização e de democratização, para além de uma importante fonte de entretenimento, como os social media têm sido usados tanto por grupos extremistas e terroristas, como por movimentos sociais para ampliarem as suas bases de apoio; e têm em geral facilitado o acesso a informação, especialmente quando existem restrições, com todas as implicações que isso pode ter nas mais diversas situações.
Com o desenvolvimento da Internet e, em particular, dos social media mais influentes, como o Facebook e o Twitter, as instituições tradicionais perderam parte do seu peso na construção da realidade política, por causa da multiplicação de produtores e emissores de conteúdo. Muito por causa disto, a Internet foi anunciada nos seus primórdios como um instrumento de democratização, no fundo seria a materialização da esfera pública de Habermas. Mas os seus efeitos na política e na sociedade em geral têm mostrado que este impacto é complexo e que pode mesmo ter consequências negativas para a democracia.
Há, por exemplo, motivos para questionar a aplicação da tecnologia. O aprimoramento dos mecanismos de selecção da informação, necessários devido à enorme quantidade de informação disponível, tem consequências que não se podem ignorar. Vários estudos já demonstraram que a maior parte das pessoas tem tendência para preferir informação e fontes de informação que são consistentes com as suas próprias opiniões e preferências políticas, mas actualmente, com os social media, é muito mais fácil evitar a exposição a pontos de vista contraditórios e a informação oriunda de fontes diversas. A escolha e a manipulação da informação podem ser feitas pelos utilizadores, mas também por algoritmos automáticos que seleccionam, organizam e apresentam os conteúdos com base em perfis personalizados obtidos a partir das preferências dos utilizadores. São as denominadas câmaras de ressonância (echo chambers) que amplificam e reforçam percepções, opiniões, incluindo preconceitos e extremismos.
E convém não esquecer que vivemos numa altura em que as emoções e as opiniões parecem ser mais importantes que os factos em alguns debates políticos. É no fundo isto que significa a era da pós-verdade e esta atitude é perceptível, por exemplo, nos discursos populistas cujo foco é precisamente a exploração de sentimentos como o medo e o ressentimento. Ou seja, os factos são menos influentes na opinião pública que a opinião e os apelos à emoção.
A exposição a informação que foi seleccionada com base nas preferências dos utilizadores e que confirma as suas opiniões tende a intensificar a polarização e tem um claro impacto negativo na pluralidade, que está na base de qualquer democracia saudável. Não é apenas importante haver espaço na sociedade para posições divergentes, é também essencial que hajam espaços efectivos de debate entre as diferentes posições, de modo a que os cidadãos possam fazer os seus próprios julgamentos de forma informada. Além disso, a polarização e o radicalismo das opiniões potenciam tensões sociais e políticas, que podem mesmo resultar em conflito.
É interessante que uma tecnologia, como o Facebook, que foi idealizada para ligar pessoas, esteja na base de procedimentos e comportamentos que fragmentam e polarizam essa mesma comunidade, e que têm impacto para além dela. Estes desenvolvimentos enfatizam a necessidade de uma análise profunda não só das premissas que influenciam a invenção dos media e das tecnologias (ou seja, o que eles são), mas também e sobretudo das várias formas como a tecnologia e os media podem mudar a democracia e a sociedade (ou seja, como são usados).