É o profissional do exercício físico um profissional da saúde?

A capacitação de uma rede profissional dedicada à promoção da atividade física (para todos) e à prescrição de exercício físico seguro e eficaz (para quem precisa) passa inevitavelmente por um mais adequado reconhecimento dos profissionais do exercício físico. Dentro e fora dos serviços de saúde.

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Miguel Manso

Recentemente, a Sociedade Australiana de Oncologia Clínica publicou um documento, apoiado por 25 organizações de saúde daquele país, onde se recomenda, como rotina, o aconselhamento a todos os doentes com cancro da prática de atividade física, devendo estes ser encaminhados, sempre que possível, para um profissional do exercício físico qualificado e com experiência clínica que possa prescrever e acompanhar um programa de exercício adequado.

Esta última recomendação vai ao encontro das conclusões de um relatório de 2015, onde é destacado o valor acrescentado de programas com a presença de fisiologistas do exercício na Austrália. O retorno por cada dólar australiano investido foi estimado em $8,8 para pessoas com diabetes tipo II, $6,0 no caso da pré-diabetes e $2,5 para o caso de doentes com depressão. Foram também estimados como custo-efetivos programas para pessoas com doença cardiovascular, lombalgia crónica, osteoartrose e outras doenças reumáticas.

Face a estes resultados, não é de estranhar que na Austrália a atividade do profissional do exercício físico no contexto da saúde esteja reconhecida e legalmente enquadrada, ao contrário do que acontece em Portugal. Efetivamente, a legislação que regulamenta as profissões com impacto na saúde — nomeadamente a Lei n.º 9/2009, de 4 de março, e a Portaria n.º 35/2012, de 3 de fevereiro — não contempla ainda a atividade do profissional do exercício físico. Não obstante, a maioria dos médicos reconhece, atualmente, a importância do exercício físico como coadjuvante terapêutico para muitas condições crónicas, além da sua eficácia na prevenção de várias doenças, como a diabetes tipo 2 e na obesidade. Porém, não estando formalmente reconhecido o profissional com competência para atuar nesta área é mais difícil realizar um encaminhamento em segurança.

A título de exemplo, imagine-se um doente em fase aguda de reabilitação cardíaca ou respiratória (após um evento cardíaco ou perda de função respiratória) que não pode ser referenciado para um fisioterapeuta. Ou o caso de um oncologista que, sabendo que o seu doente em pós-operatório necessita de uma dieta específica, não o pode encaminhar para um nutricionista (ver quadro). Na realidade, todas as profissões da chamada allied health (p.ex., nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos clínicos) apresentam hoje um profissional com um perfil devidamente definido, proveniente de uma área científica própria, com uma orientação clara nos seus processos formativos, e representada por uma associação profissional que assume também um cariz regulador da atividade que representa.

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Em Portugal, é o Instituto Português do Desporto e Juventude, IP que tem efetuado a regulação das profissões do exercício físico, nomeadamente através do disposto na Lei n.º 39/2012, de 28 de agosto. Contudo, o articulado deste diploma é especificamente dirigido às atividades desenvolvidas em instalações desportivas (como ginásios e academias), pelo que, dada essa limitação, não corresponde às necessidades e exigências atuais (e futuras). Isto considerando os diversos contextos onde este profissional pode hoje exercer a sua atividade, incluindo programas de exercício com ligação ao setor da saúde (por exemplo, em clínicas de reabilitação cardíaca ou programas de tratamento da obesidade ou da diabetes). Assim, tal como para outras profissões especializadas na área da motricidade humana, como o professor de educação física e o treinador de desporto, hoje devidamente reguladas e enquadradas nos respetivos setores, deve agora ser traçado um caminho similar para o profissional do exercício físico com intervenção predominante na área da saúde e do bem-estar.

O aparecimento recente de diferentes associações profissionais, entre as quais, a Associação Portuguesa de Fisiologistas do Exercício, revela não só a maturidade da sua base técnica e científica como também a dinâmica deste grupo profissional no propósito de obter a legitimação, o reconhecimento e promoção da sua atividade em diferentes contextos, incluindo contextos clínicos dentro e fora do Serviço Nacional de Saúde. Por referência ao Serviço Nacional de Saúde, esta ação é especialmente relevante para a criação de uma rede multidisciplinar de profissionais qualificados em torno dos Agrupamentos de Centros de Saúde, nas suas Unidades Funcionais e nas comunidades que estas servem.

O fundamento deste movimento permite-nos perspetivar com otimismo a redução do hiato, profissional e institucional, existente hoje entre as profissões da saúde e os profissionais do exercício físico. Na prática, e porque a sua ação pode influenciar decisivamente a saúde, o profissional do exercício físico é já um “profissional de saúde”. Urge assim apostar na formalização e regulamentação da sua situação à luz dos comprovados benefícios potenciados pela sua intervenção quando exercida com as devidas competências e qualificações. Nunca estiveram reunidas tantas condições para o fazer como em 2018.

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