Do Museu das Descobertas a uma Casa do Mundo
Se há uma Casa da História Europeia, paga pelo dinheiro de todos os europeus, por que não motivar o poder de Bruxelas a criar um Museu da Europa e do Mundo, ancorado na abertura das primeiras rotas mundiais nos séculos XV e XVI, em que Portugal desempenhou papel maior?
Finalmente o “mundo dos museus” consegue alguma visibilidade pública e animado debate, com peças boas e peças más, como em qualquer debate acontece. A razão de ser do destaque não é nem o anúncio do Governo de que vai cumprir o seu programa nesta matéria (por exemplo em relação à Rede Portuguesa de Museus) nem a eclosão de um forte movimento de “classe” (que inveja dos do teatro!) contra o estado comatoso dos orçamentos dos museus em Portugal, especialmente dos dependentes da administração central e seus derivados regionais. A referida animação vem do brilho juvenil da novidade (a principal instância que nos movimenta) e o seu proponente é o Presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que anunciou o Museu das Descobertas no seu programa e iniciou o movimento para o concretizar.
O meu primeiro sentir perante o projecto é de distanciamento. Conheço demasiado bem os problemas ingentes com que os museus se defrontam, os do Governo e os da Câmara, para não considerar que o culto do novo continua a atirar-nos para rumos indesejáveis. Como diz António Filipe Pimentel, no mais sério artigo dos muitos que li, é ver o estado do “novo” Museu dos Coches, do “novo” Museu do Côa e do “novo” Palácio da Ajuda, este por enquanto em figura de construção. Teria também vontade de recordar ao empenhado Presidente da Câmara de Lisboa a miséria das instalações dos seus Arquivos e da sua Hemeroteca, ou o passo abaixo de caracol com que decorre a execução das linhas orientadoras, notavelmente delineadas, dos vários pólos do Museu de Lisboa. E, do lado do Governo, o estado de insuportável necessidade dos museus nacionais e lisboetas de Arte Antiga e do Azulejo, para falar apenas dos dois que têm, necessariamente, de ser parceiros deste projecto municipal e todos os dias contribuem para a melhor oferta cultural na cidade.
Mas se quem manda só se sensibiliza com o novo, e se tanta gente tem vindo a público, em geral reconhecendo que urge fazer nascer esse “desejado” de há tantas décadas, disponho-me a opinar também. Não sobre conteúdos (que há gente muito mais qualificada do que eu para o fazer) nem sobre sítios (cuja lista de excelentes possibilidades é imensa) mas sobre os “meios” já referidos por António Filipe Pimentel. É que se o projecto for sério, marcante da memória e do futuro, são precisos meios avultados que não podem deixar de transcender as capacidades da Câmara Municipal de Lisboa – que, no essencial, provêm da espampanante galinha do turismo.
Foi então que me lembrei do que a seguir dou conta. Do melhor que se fez em Portugal na área museológica (no sentido amplo, que se sustenta em investigação) ocorreu em enquadramento europeu: refiro-me à 17.ª Exposição de Arte, Ciência e Cultura (Lisboa, 1983) e ao festival Europália (Bruxelas, 1991). Foram eventos temporários mas cuja ambição e cujos meios permitiram trabalhar em profundidade e deixar obra feita, em diversos museus e palácios. Tenho ainda em conta outros factos: o orçamento, divulgado há dias, do comissário europeu Carlos Moedas para as áreas da Investigação, Ciência e Inovação que, ao contrário de outros, cresceu; e a inauguração do novo museu europeu em Bruxelas, a Casa da História Europeia, que não cabe aqui analisar mas cujo orçamento gostaria de conhecer.
Num tempo em que a Europa em geral e a União Europeia em particular precisam de encontrar novos elementos de união, a Cultura deveria e poderia ser um instrumento fundamental de regeneração. Se há uma Casa da História Europeia, paga pelo dinheiro de todos os europeus, por que não motivar o poder de Bruxelas a criar um Museu da Europa e do Mundo, ancorado na abertura das primeiras rotas mundiais nos séculos XV e XVI, em que Portugal desempenhou papel maior? Se conseguirmos o apoio de Carlos Moedas, pondo a tónica na reconfiguração da Ciência que os designados “descobrimentos” possibilitaram, haverá talvez meios para pensar com consistência a simpática ideia do Presidente da Câmara de Lisboa. E de interessar outros mundos na evocação dessa “casa viajante”, construída a partir da Europa e imediatamente activada por contributos exógenos, quer nas costas americanas, na Ponta de África, no Japão ou nos mares de tantas ilhas.
*Professora de História da Arte, FSCH/UNL