“Não me surpreendem [as investigações à EDP]”
“A EDP tinha um poder de influência muito grande junto do Governo”, lembra o antigo líder da Autoridade da Concorrência.
O antigo presidente da Autoridade da Concorrência (AdC) é peremptório ao afirmar que ainda existe muita falta de concorrência em Portugal. Abel Mateus não esconde a sua preocupação com esse fenómeno, especialmente nos sectores que são fornecedores de bens e serviços ao Estado, mas admite ser muito difícil combatê-lo. Em relação à energia, o economista lamenta o poder que a EDP sempre teve em Portugal e que justifica, em parte, o elevado custo da electricidade.
Ainda há sectores em Portugal em que existe falta de concorrência?
Existem muitos, muitos. Mas o problema é sempre do grau de concorrência. Haverá sectores em que a concorrência é mais activa, outros menos, mas há um agregado de sectores que me preocupa em particular, que é o fornecimento de produtos e serviços ao Estado e que, infelizmente, são extremamente difíceis de detectar. É precisa muita informação e recursos humanos para se fazer uma investigação detalhada. Mas são casos que acabam por prejudicar muito o Estado, os contribuintes, os consumidores em geral.
As empresas e os consumidores continuam a ser prejudicados pela falta de concorrência no mercado de electricidade?
Os custos da electricidade em Portugal são elevados, por um lado, por falta de concorrência, mas também, e de uma maneira fundamental, por causa das intervenções do Estado no sector. Quando se estabeleceu o regime das eólicas, por exemplo, garantindo o seu acesso primeiro na rede eléctrica e a preços que eram praticamente o dobro do custo marginal da altura, introduziu-se uma distorção enorme para os consumidores. Poder-se-ia, por exemplo, ter feito um leilão de oferta de electricidade aos melhores custos, mas não se fez.
Havia impreparação de quem tomava essas decisões ou houve um objectivo de favorecer os operadores?
Pode dizer-se favorecer os operadores pelo preço praticado e por não se ter tomado em consideração a evolução da curva de custos e da tecnologia no médio e longo prazo. Qualquer governante preocupado com o médio e o longo prazo deveria ter visto.
Outra questão tem que ver com a posição elevada no mercado que tem ainda a EDP. Quando estive na AdC, já se tinham preconizado uma série de medidas…
Como por exemplo…
Atribuir novos licenciamentos a outras empresas que não a EDP para a produção de energia, obrigar a EDP a alugar ou a vender duas redes de distribuição local... São coisas que qualquer governo que se preocupe com maior concorrência deveria ter feito.
E porque não avançaram as medidas?
Não avançaram, porque a EDP tinha um poder de influência muito grande junto do governo.
E esse não se alterou, nem com a passagem da troika?
No período da troika houve a discussão sobre as chamadas “rendas excessivas”, que está ligada aos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), na prática pagamentos à empresa só para ter geradores ou barragens paradas, porque pode ser necessário no futuro. Estão a receber sem produzir... Isso é, no fundo, o que são os CMEC. São esquemas que beneficiaram extraordinariamente o incumbente a custo do consumidor e com elevado impacto no preço médio da energia.
Na altura a AdC tomou posição sobre os CMEC?
Não aconselhámos este tipo de programa.
Surpreende-o que passados estes anos todos exista um processo judicial envolvendo a EDP, o seu presidente...
Não me surpreende, mas prefiro não me alargar sobre isso.
E surpreende-o que continuemos a suportar uma das energias mais caras dentro da Europa?
Não, por causa de tudo do que acabámos de discutir.
Hoje o ambiente regulatório e governativo continua a ser propício à manutenção desse cenário...
Houve um elemento adicional que passou a complicar e a restringir tudo isto que foi a venda a chineses de uma parte substancial [da EDP]. Quando alguém compra um produto com certas cláusulas, deve ser difícil alterar as regras do jogo a partir daí. Simplesmente é algo que com o tempo terá de ser analisado.
Há sete anos acusou o Governo de não combater a falta de concorrência nos combustíveis. Alguma coisa mudou neste mercado, continua a faltar concorrência?
Uma das coisas que mudaram resultou de uma recomendação da AdC que foi vender mais combustíveis ligados aos supermercados; depois, a seguir, veio a questão dos combustíveis simples, que permitiu baixar em algumas décimas os preços para o consumidor. Mas continua a haver problemas de fundo que não foram resolvidos, porque em Portugal existe praticamente um monopólio da Galp na refinação e no fornecimento de combustível às diferentes empresas comercializadoras, o que é um entrave muito sério à concorrência neste sector.