Também emigrámos das estatísticas?

O serviço público de emprego não está a acautelar ou a resolver a vertente social, nem a lidar com a qualidade do emprego.

No último artigo que escrevi sobre emprego (ou desemprego) jovem, questionava-me sobre a pertinência das estatísticas e das percentagens nesta discussão. Há indicadores para todos os gostos: os do IEFP retratam o número de cidadãos que quer trabalhar e que vai diminuindo ao passo que os mesmos passam a estar “ocupados” em estágios e formações profissionais; os do INE retratam o número de cidadãos da população ativa que estão empregados; os da OCDE misturam os dois… enfim.

Permitam-me que ilustre o problema da inutilidade das estatísticas quando vistas por si só, sem contexto, com um exemplo de choque: num país em guerra a taxa de desemprego pode ser zero, porque as pessoas estão a fugir, não estão à procura de emprego.

Esta semana, e em boa hora, o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia mostrou-nos que existe uma taxa de desemprego para além dos indicadores tradicionais, que inclui as pessoas que estão em situação de subemprego ou de “trabalhos” temporários, as pessoas que desistiram de procurar emprego e as pessoas que não estão em condições de aceitar uma proposta de trabalho (por hipótese: quem tem pessoas a seu cargo, quem engravida…). Em 2008 estes representavam 176 mil cidadãos, hoje são 484 mil. Nenhum deles está incluído nas estatísticas do desemprego.

Durante a crise, a dimensão económica do desemprego diminuiu face à sua componente social. Essa mantém-se absolutamente determinante e não pode ser desvalorizada nem ofuscada por estatísticas que tantas vezes falham em espelhar a realidade, porque não são lidas no seu contexto. E a realidade passa a mostrar assim que a emigração não foi só para fora do país: foi também para fora das estatísticas.

No desemprego jovem, que – já agora – continua a ser o dobro do da população no geral, precisamos de uma abordagem que integre quem os números não representam, desafiante do sistema, crítica da forma como queremos resolver este problema. Continuamos a ver anúncios que não se concretizam, porque tem havido sempre outras prioridades e opções políticas: mas temos ficado sempre por aí, pelos anúncios… Onde está o plano nacional de combate à precariedade? Para quando o inovador contrato-geração? Como refinanciaremos em larga escala as medidas ativas de emprego, para aproveitar o ciclo económico positivo para dar soluções aos desempregados? Quem terá a coragem política de abordar com seriedade o tema do subemprego e dos postos de trabalho com condições e vínculos precários?

Volto a dizer: o serviço público de emprego não está a acautelar ou a resolver a vertente social, nem a lidar com a qualidade do emprego. E, pelo visto, vai continuar a refugiar-se em descidas de uns números que deixam de fora quase meio milhão de pessoas, que nem cumprem os critérios estatísticos para serem representados num gráfico.

É célebre a frase de que os números das estatísticas, quando suficientemente torturados, acabam por dizer o que se pretende. Temos de parar de discutir números e décimas, para começar a olhar para as pessoas e para o seu contexto: e estas pessoas precisam de soluções.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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